Folha de S. Paulo


Precursor do modernismo português, 'Húmus' é publicado no Brasil

Reprodução
Detalhe da capa do livro
Detalhe da capa do livro "Húmus", de Raul Brandão (ed. Carambaia)

LIVRO

Psicologia da decomposição
Publicado há cem anos, "Húmus" é tanto um romance precursor da prosa modernista portuguesa (desde "O Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa, até autores recentes como José Saramago e Herberto Helder) quanto um livro que antecipa as ousadias formais do expressionismo alemão e do "nouveau roman" francês.

Nesta edição com base na versão retrabalhada por Raul Brandão (1867-1930) em 1926, o volume tem belo e elegante projeto gráfico de Mayumi Okuyama, ilustrações de Maria Laet e posfácio de Leonardo Gandolfi contextualizando esse fluxo narrativo que, na forma de diário, assimila o movimento no qual ser e coisa, consciência abstrata e substrato orgânico confluem para um mesmo estado de decomposição. Cenas e personagens de uma vila portuguesa são o elemento deflagrador dessa antinarrativa em que a psicologia torturada do narrador espreita o inferno da finitude e a agonia das crenças metafísicas atrás de cada rosto, porta ou janela –tudo sendo constantemente reconduzido ao nosso húmus primordial por meio de uma linguagem de arrebatadora violência simbólica.

Húmus. Autor: Raul Brandão. Editora: Carambaia (2017, 312 págs., R$ 74,90)

DISCO

Espelho cromático
Henri Dutilleux (1916-2013) deu a sua segunda sinfonia, de 1959, o título de "Dupla", por conta da formação exigida. A peça, de colorido tenso e intenso, reúne grande orquestra e grupo de câmara que se espelham em sinuosa organicidade, num exemplo da obra essencialmente moderna, porém refratária a hermetismos formais, desse que é um dos grandes compositores franceses contemporâneos. Completam o registro "Timbres, Espace, Mouvement ou La Nuit Étoilée" (1978) -encomendada pelo violoncelista e regente Mstislav Rostropovich e inspirada na tela "A Noite Estrelada", de Van Gogh- e "Mystère de l'Instant" (1989), com Françoise Rivalland nos solos de címbalo dessa obra prismática, em dez movimentos.

Dutilleux: Symphony nº 2 "Le Double". Artista: Orquestra Nacional de Lille; Darrell Ang, regente. Gravadora: Naxos (2017, R$ 52, importado)

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FILME

Melancolia dos pioneiros
Baseado nas memórias do escritor Amos Oz, essa produção falada em hebraico é dirigida e protagonizada pela atriz israelense (radicada nos EUA) Natalie Portman -no papel de Fania, melancólica mãe do autor. O filme se passa em Jerusalém nos primeiros anos da fundação do estado de Israel e contrasta, de modo sensível e intimista, as apreensões políticas do povo judeu -num momento em que o genocídio recente da Segunda Guerra dá lugar às hostilidades dos países árabes contra os pioneiros da Terra Prometida- com o progressivo mergulho na depressão de Fania, que nunca se recuperou do trauma de ter deixado a Polônia natal (e sua cidade, hoje pertencente à Ucrânia) sob perseguição dos nazistas.

De Amor e Trevas. Direção: Natalie Portman. Elenco: Natalie Portman, Gilad Kahana, Amir Tessler. Produtora: Voltage Pictures (2015). No Netflix

Divulgação
Cena de
Cena de "De Amor e Trevas", com Natalie Portman

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A coluna "Edição Cult" é publicada aos domingos, a cada 15 dias, na revista sãopaulo.


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