Folha de S. Paulo


Minissérie retrata formação de Evard Munch, pintor de 'O Grito'

Realizado em 1974 por TVs estatais da Noruega e da Suécia, com três horas e meia de duração e uma estética que oscila entre o cinema de época e o documentário, "Edvard Munch" —sobre o pintor expressionista que viveu entre os anos 1863 e 1944— é uma produção que escapa aos clichês de filmes e minisséries sobre artistas.

Esqueça os lacrimosos melodramas norte-americanos, que buscam a "amada imortal" oculta ou a chave biográfica que vai, enfim, desvendar o segredo da centelha criativa.

Originalmente exibido em três capítulos, reunidos sem intervalos nesse DVD recém-lançado no Brasil, o filme dirigido pelo inglês Peter Watkins transpõe para a tela toda a carga de angústia que atravessou a obra do artista norueguês.

Uma agonia que funcionou como dínamo da estética dilacerada de Munch justamente por força de sua obscuridade, de seu caráter de pulsão inconsciente, manifestando-se por meio de deformações subjetivas —cujo exemplo rematado é "O Grito", uma das telas mais célebres da arte moderna.

Watkins se detém nos primeiros 30 anos da vida do pintor, período no qual Munch entra em contato com o mundo boêmio de Christiania (nome antigo da atual capital Oslo), que contrasta com o puritanismo de uma sociedade que só enxerga morbidez e loucura em seus quadros.

A narrativa é pontuada por cenas familiares traumáticas (crises de tuberculose, mortes, velórios) que afloram como memórias recalcadas nas cenas de languidez e ciúmes vividas por Munch.

Da mesma maneira, sua amante de juventude (mulher casada e promíscua) continua se insinuando como aparição fantasmática em suas outras relações, sempre doentias.

O que poderia ser uma teoria pseudopsicanalítica para perturbações individuais, porém, se amplia no retrato de uma época.

É emblemático, por exemplo, que o escritor sueco August Strindberg, que Munch conhece já em Berlim, descreva "O Beijo" (outra tela famosa) nos termos de uma fusão de dois seres em que o mais frágil devora o outro "como os vermes, os micróbios, os vampiros e as mulheres".

Com frieza nórdica, "Edvard Munch" capta a maneira como sentimentos antiburgueses (com ênfase no amor livre e na emancipação feminina) fizeram artistas e intelectuais aristocráticos violentarem seus condicionamentos morais, lançando-os numa vida dissoluta (marcada por alcoolismo, sífilis e suicídios) e numa arte que expurga os próprios demônios.

FILME

EDVARD MUNCH ***
DIREÇÃO: Peter Watkins
DISTRIBUIDORA: Versátil (DVD, 1974, R$ 39,90)

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LIVRO

O EXPRESSIONISMO ***
Além de analisar o contexto político e estético de surgimento da arte expressionista, mostra seus paralelos com o nascimento da psicanálise.
AUTOR: Jaco Guinsburg
EDITORA: Perspectiva (2002, 744 págs., R$ 107)

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LIVRO

LUXÚRIA: COMO ELA MUDOU A HISTÓRIA DO MUNDO **
Maurício Horta (2015, LeYa, 288 págs.; R$ 39,90)

PRIMEIRAS VEZES ***
Sibylline. Tradução: Fernando Scheibe (2015, Nemo, 112 págs., R$ 39,90)

O tom informal e anedótico condiz bem com o tema de "Luxúria: Como Ela Mudou a História do Mundo" —que abre, com o volume "Inveja" (208 págs., R$ 39,90), a coleção "Os Sete Pecados", da editora Leya. O jornalista Maurício Horta mostra como os impulsos libidinosos foram deixando de ser o "lado B" de cultos pagãos para chegarem à indústria pornô e às redes sociais —passando pelos pecados de sacristia e pelos lupanares tupiniquins. E como, mesmo em tempos de depravação, tudo tem um começo, a história em quadrinhos "Primeiras Vezes" reúne vários desenhistas para adaptarem (com traço mais do que explícito) os roteiros em que a francesa Sibylline imagina a iniciação sexual de suas heroínas –desde a perda da virgindade até as primeiras experiências em sex-shops e clubes de swing (nome dado à prática de troca de casais).

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DISCO

BERG: LYRISCHE SUITE/SCHOENBERG: VERKLÄRTE NACHT ***
Jean-Guihen Queyras e Ensemble Resonanz (Harmonia Mundi, R$ 93,40, importado)
Sob direção do violoncelista francês Jean-Guihen Queyras, o Ensemble Resonanz registra obras capitais do expressionismo musical vienense. "Noite Transfigurada", de Arnold Schoenberg, é obra de transição do romantismo para o cromatismo moderno. "Suíte Lírica", de seu genial discípulo Alban Berg, incorpora o dodecafonismo. As peças, originalmente de câmara, estão aqui em versões para orquestra de cordas.


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