Folha de S. Paulo


Revista alemã que sintetizou estética expressionista ganha edição em português

"O espírito derruba fortalezas", diz um dos textos do alemão Franz Marc no "Almanaque O Cavaleiro Azul". Síntese da estética expressionista praticada na Alemanha pelo grupo "Der Blaue Reiter" ("O Cavaleiro Azul"), essa revista em forma de livro, editada por Marc e pelo russo Wassily Kandinsky na Munique de 1912, acaba de ganhar sua primeira edição em língua portuguesa.

O texto em questão, "Bens Espirituais", elogia a "construção mística interior", encontrada nas telas de El Greco e Cézanne, e consiste num breve manifesto ilustrado por uma gravura chinesa, por uma pintura bávara e por um quadro cubista de Picasso.

Tal mescla de referências populares, tradicionais e de vanguarda, sem distinção de estilos ou escolas, indica uma característica do almanaque: à diferença de movimentos como futurismo e cubismo, que tinham propostas formais objetivas, os artistas e ensaístas reunidos pelos editores proclamam uma revolução espiritual.

Aliás, no maior ensaio do volume ("Sobre a Questão da Forma"), o artista russo cancela as distinções entre arte realista e abstrata para afirmar que "a forma é a expressão exterior do conteúdo interior" e que, "quando uma linha é libertada de seu objetivo de delinear um objeto e atua como uma coisa em si", ela também adquire "uma existência material assim como o puro realismo".

Com isso, a questão da crise representação (com a quebra do ilusionismo realista) se desloca para uma concepção de arte que valoriza uma expressividade sem fronteiras temporais, com a religiosidade "selvagem" de imagens votivas e gravuras tradicionais fazendo contraponto às partituras de compositores radicais como Schöenberg e Webern.

No "Almanaque O Cavaleiro Azul", o expressionismo aparece como um momento singular das vanguardas, que procura restaurar a espiritualidade perdida pela obsessão moderna pelo novo --com o acréscimo, na belíssima edição brasileira, de versões coloridas de obras que haviam sido reproduzidas originalmente em preto e branco.

Divulgação
"Man of a Horse", de Wassily Kandinsky

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LIVRO

ALMANAQUE O CAVALEIRO AZUL ****
EDITORES: Wassily Kandinsky e Franz Marc
ORGANIZAÇÃO: Jorge Schwartz
TRADUÇÃO: Flávia Bancher
EDITORA: Edusp/Museu Lasar Segall (312 págs., R$ 170)

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CONEXÕES

LIVRO

O EXPRESSIONISMO ****
A mais completa reflexão produzida no Brasil sobre o expressionismo abrange arte, literatura, cinema e as dimensões política e psicanalítica do movimento.
AUTOR: Vários
ORGANIZAÇÃO: J. Guinsburg
EDITORA: Perspectiva (2002, 744 págs., R$ 104)

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DISCO

SCHÖENBERG: PIERROT LUNAIRE/CHAMBER SYMPHONY Nº 1/4 ORCHESTRAL SONGS ****
Inclui "Pierrot Lunaire" e "Herzgewächse" (cuja partitura aparece no "Almanaque O Cavaleiro Azul"), assinalando continuidade entre a poesia simbolista dos belgas Giraud e Maeterlinck e o expressionismo musical.
ARTISTA: Philharmonia Orchestra, Robert Craft (regente)
GRAVADORA: Naxos (2007, R$ 27,90)

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LIVRO

OS SONHOS TEUS VÃO ACABAR CONTIGO ****
Daniil Kharms; tradução de Aurora Fornoni Bernardini, Daniela Mountian e Moissei Mountian (Kalinka, 296 págs., R$ 44,90)

Depois de Dobytchin e Sologub, a editora Kalinka traz outro autor russo ainda pouco conhecido por aqui: Daniil Kharms, que morreu na miséria durante o stalinismo. Entre pequenos contos (ou "causos"), poemas e textos teatrais e infantis, a narrativa "A Velha" é um exemplo dessa literatura marcada por um humor que oscila entre o absurdo e o patético.

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DISCO

ELA ****
Dom La Nena (Som Livre, R$ 24,90)

O disco de estreia da gaúcha Dominique Pinto, ou Dom La Nena, traz composições próprias, em que o tom nostálgico (fruto de vivência em Paris e Buenos Aires) casa bem com seu timbre suave. O destaque, porém, fica por conta dos arranjos e das interpretações da cantora ao violoncelo, com discreto e preciso virtuosismo.

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FILME

O QUARTETO **
Dustin Hoffman (Diamond Films, locação)

Numa casa de repouso para músicos aposentados, a rotina de três cantores é abalada pela chegada de uma diva da ópera, com quem pretendem interpretar o famoso quarteto de "La Traviata", de Verdi. A partir daí, o filme deriva para uma auto-ajuda para terceira idade, bem distante da cruel meditação sobre a velhice de "O Amor", de Michael Haneke.


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