Folha de S. Paulo


Errados estão os outros

Mídia social não é mídia. É uma forma de expressão pessoal. Aparentemente democrática e extremamente popular, ela pode ser vista como medidor de certos aspectos da opinião pública ou como um termômetro da popularidade de determinados produtos ou serviços. Mas chamá-la de mídia é um exagero tão grande quanto atribuir contexto sociológico a uma fofoca ou analisar a situação econômica de um país através do Tinder.

O mercado publicitário adora chamar Facebook de mídia social porque assim pode realocar as verbas milionárias de seus clientes para os novos canais, em busca de novos trouxas que cliquem nas mesmas velhas piadinhas retrógradas e caiam nas mesmas velhas armadilhas de mercadores inescrupulosos em busca de retornos cada vez maiores para investimentos pífios.

Mídia que mereça o nome é uma instituição de respeito e credibilidade, coisa que não se pode atribuir aos powerpoints do Slideshare ou aos textos de autoajuda corporativa distribuídos pelo Linkedin. Acima de tudo, mídia implica uma responsabilidade social com relação ao assunto relatado, que precisa ser analisado e descrito de forma minimamente imparcial.

Mesmo quando a mídia é claramente parcial –como diversos grandes veículos brasileiros exemplificaram nos últimos tempos– ela precisa manter uma aparência de neutralidade mínima, sob o risco de sofrer ações judiciais que possam levar a graves prejuízos financeiros ou, no pior dos cenários, perder completamente a sua reputação, recuando para nichos cada vez menores de públicos específicos até que seja abandonada por leitores e anunciantes.

Desenvolvida originalmente como uma ferramenta para melhorar a comunicação digital, a mídia social vem se transformando em uma gigantesca exposição pública do individual, não do coletivo, cada um desesperado para estar mais verdadeiro, belo e bom do que os outros que o cercam. Travestidos de mídia, os usuários de redes sociais não procuram conversas, mas plateias. Não querem saber de debates, querem fãs. Em última instância, os "amigos" do Facebook não querem saber de amigos, mas de uma corte que aplauda de pé cada um de seus pequenos atos.

Tão vazios e inúteis quanto as "celebridades" que imitam, os ícones da rede social chamam a atenção pela polêmica vazia e pela virulência de um discurso de ódio, raso, discriminatório, desrespeitoso e, em última instância, bastante perigoso. Ao pregar a dissolução institucional de tudo o que está por aí sem oferecer nada sustentável em troca, ele é, na maioria das vezes, tão reacionário quanto o pior clérigo fundamentalista.

Empresas privadas, financiadas por investidores e ações em bolsas, as grandes redes tem valores muito diferentes dos que levaram à construção da Internet que as abriga. Derivadas da indústria de entretenimento, sua filosofia não é muito diferente daquela que é aplicada nos programas de televisão matutina ou nas revistas de variedades televisivas. Não há preocupação com qualquer espécie de formação ou esclarecimento, tudo o que se quer é prender o consumidor à telinha, dar a ele uma ilusão de que sua opinião é importante e buscar, sempre que possível, uma nova forma de vender um velho e inútil serviço, reempacotado.

Mesmo sem ser mídia (ou talvez exatamente por isso), a mídia social tem alcance, frequência, imediatismo e permanência únicos. Se em parte isso se dá por sua natureza eletrônica e grande disponibilidade graças às tecnologias móveis, um aspecto pouco discutido é a total irresponsabilidade do conteúdo divulgado por ela.

Da mesma forma que não se demanda que um papo de bar cite referências ou seja imparcial, boa parte do discurso dos grandes botecos da rede é barulhento, emotivo, radical e irresponsável. Poderia ser até cômico, se não fosse levado a sério.

Por uma mistura de falta de razões com excesso de argumentos, a mídia social tem a impertinência de um torcedor fanático, que aos berros, insiste em declarar que o seu time, com a escalação de 1978 contra a Ponte Preta, foi o melhor do mundo.

Instrumento de conversação, relacionamento, presença, compartilhamento e reputação, a mídia social tem tudo para ser o verdadeiro ambiente de manifestação de identidade em um futuro próximo. Mas para isso é preciso usá-la mais e melhor, compreendendo seu valor e verdadeiro tamanho.

Há muito de realidade no virtual, da mesma forma que há muito de virtualidade no que se convencionou chamar de realidade. Não se pode culpar a mídia social por preconceitos ou radicalismos que a precedem ou que, como a histeria quanto à liberdade de manifestação de gênero, não tem nada a ver com ela. A mídia social não é um espaço ideológico, da mesma forma que não é um ambiente tecnológico. Ela é um ambiente de relacionamentos que, como um bar ou uma praia, pode levar a uma grande mudança, mas precisa ser relativizado.

Enquanto ela é nova, ainda leva-se a sério demais o que é dito, compartilhado e analisado por ali. Por mais que tenham acelerado e catalisado, elas não inventaram o fiasco que se deu nas ruas no final de semana que passou. A indignação é resultado de um processo de longa data que não se resolverá através de uma canetada ou solução messiânica. Quem acredita em milagres tende a morrer à sua espera.


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