Folha de S. Paulo


Parece cocaína...

mas é só Facebook, poderia ter dito o Renato Russo. Muitos temores, continuaria ele, nascem do cansaço e da solidão.

É fácil criticar a aparente falta de educação de muitos usuários de mídias sociais que, desconectados do mundo à sua volta, passam os dias plugados. O problema, no entanto, pode ser mais complexo do que aparenta.

Há bastante mérito nas redes. Elas aproximam amigos distantes no tempo ou espaço e promovem belos reencontros. Mas esse uso representa uma parcela muito pequena do conteúdo que circula por elas. Ninguém fala tanto com velhos amigos ou primos distantes.

Para estimular a participação de seus usuários, diversos recursos psicológicos são usados para gerar prazer e criar gratificação instantânea em seus usuários. É sempre bom lembrar que o Facebook não é gratuito. Como a TV, seu faturamento depende da publicação de anúncios. Quanto maior o tempo empregado na rede, mais lucrativo é o usuário.

Para maximizar os lucros muitos criam um clima de cassino, de que é difícil de escapar. O apelo é tão forte que até gente saudável muitas vezes sente que passa muito mais tempo na rede do que gostaria. É comum a frustração de quem tenta cortar o uso ou dar só uma olhadela no que está acontecendo para perceber, um bom tempo depois, que ficou presa a joguinhos e banalidades.

Da mesma forma que acontece com outras atividades e substâncias recreativas, é preciso compreender os limites do consumo saudável. Em excesso, os estímulos das redes sociais promovem distorções na dinâmica de recompensa cerebral, criando uma dependência psíquica similar à de muitos entorpecentes.

São comuns, por exemplo, o aumento da tolerância ao estímulo, em que se torna necessário um uso cada vez maior ou mais intenso para gerar o mesmo prazer. Quando privados do acesso à rede, muitos apresentam graus variados de síndrome de abstinência, não vendo valor em mais nada e fazendo de tudo para voltar a ela.

Sonolentos, distraídos, exibicionistas, egocêntricos, muitos dos usuários mais ativos parecem verdadeiros autômatos. Mais acostumados a interagir, compartilhar e curtir on-line, é comum vê-los desconfortáveis quando falam com alguém pelo telefone ou –pior– ao vivo. Isolados, usam a rede para fugir do tédio ou das responsabilidades, abandonam as atividades de que gostavam e se sentem "vazios" sem a rede. Tudo o que querem é passar mais e mais tempo por lá, mesmo que isso envolva o prejuízo de relacionamentos e atividades. Quando questionados, se irritam e alegam intolerância e incompreensão, dizendo que são capazes de estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo.

Mas ao contrário das dependências químicas, é possível se livrar desse ciclo infinito de interações vazias e estabelecer um uso moderado da rede com um pouco de disciplina. Um primeiro passo pode ser o de se perguntar o que se ganha de cada interação.

Se a resposta for nula ou difícil, o melhor é trocar de atividade recreativa. Quem está cansado demais para ler um livro pode ver um vídeo ou ouvir música. Quem sente saudades dos amigos pode pegar o telefone e trocar uma ideia com eles. Quem precisa refrescar a cabeça pode esquecer o telefone na mesa e sair para dar uma volta no quarteirão.

Qualquer uma dessas atividades é muito mais saudável e construtiva do que ficar curvado sobre a telinha, escravo das curtidas, preso à timeline, ansioso por novas interações. Na pior das hipóteses podem servir para que se tenha uma coisa nova para dizer quando voltar para o Facebook.


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