Folha de S. Paulo


Deficiências públicas

RIO DE JANEIRO - No último 2 de abril, data firmada pela ONU como o Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo, houve no Rio a pré-estreia de "Quem Você Quer Ser Nesta História?", de Nelli Sampaio e Rodrigo Van der Put. O documentário não chega a trazer novidades para o espectador já envolvido com o tema, pois seu objetivo parece ser informar e sensibilizar pessoas ainda alheias à síndrome. A missão é cumprida com louvor.

As doses de informação vêm de profissionais que se dedicam ao assunto. Um senão do filme é assumir como único caminho terapêutico o modelo comportamental –que trabalha menos as questões emocionais e privilegia o treinamento de habilidades sociais. Mas, de fato, é difícil e até indesejável fugir completamente dele.

A sensibilização vem dos personagens retratados. Há desde o adolescente muito irônico até o jovem que a mãe decidiu amarrar com cordas. Histórias comoventes. O arco amplo espelha a diversidade do autismo, irredutível a estereótipos.

E o filme toca na ferida da absoluta falta de uma política pública no país. Para começar, não temos estatísticas disponíveis. Estima-se que são em torno de 2 milhões de autistas brasileiros –mas muita gente deixa de ser diagnosticada. Alguém há de argumentar que representam apenas 1% da população. Porém, o problema cresce bastante se pensarmos que também não há políticas para outras deficiências. Na terra do "homem cordial", talvez o quadro só mude quando tivermos governantes com casos em suas famílias. É absurdo que precisemos disso.

Mas, num país que não se espanta com assassinatos de crianças e encarceramento de adolescentes, como esperar que se preocupe com o futuro daqueles que, muitas vezes, não falam nem trabalham? O recado soa o mesmo: danem-se.


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