Folha de S. Paulo


Falsidade maravilhosa

RIO DE JANEIRO - A venda de mate na praia é uma tradição carioca. Alan de Souza Lima e Chauan Jambre Cesário vendiam mate na praia. O primeiro foi morto no último dia 20, aos 15 anos. O segundo, de 19, está com uma bala alojada no peito.

Os policiais que os atingiram na favela da Palmeirinha (zona norte) adotaram o procedimento padrão quando um inocente é morto: registraram o caso como auto de resistência. Ou seja, forjaram que Alan e Chauan atiravam contra eles.

Alan só não foi para a cova fichado como bandido porque a câmara de seu celular estava ligada. Sem saber, ele filmou a própria morte. E deixou provadas a sua inocência e a do amigo. A Justiça, como costuma fazer quando o suspeito é pobre, já tinha decretado a prisão preventiva de Chauan. Foi obrigada a soltá-lo.

Antes dos tiros, Alan e Chauan brincavam no vídeo como crianças. Um começou a correr atrás do outro e, por isso, os policiais atiraram. Para matar.

Chauan tem aparecido em jornais e TVs. Coragem ou infantilidade? Um jovem branco de classe média talvez ficasse mais protegido, para não virar um alvo tão reconhecível. Chauan está à mercê de uma vingança.

O Rio, 450 anos, é uma cidade abençoada por Deus e bonita por natureza. Mas há a falsidade maravilhosa. Nesta, dondocas acham prático ter empregados morando pertinho, na Rocinha e no Vidigal. Mas consideram negros favelados uma grande ameaça. Querem que os capatazes fardados do Estado os liquidem.

PMs matam e morrem muito porque estão na guerra errada. Em vez de entrar em favelas atrás de vendedores e usuários de drogas, deviam fazer uma segurança realmente pública, voltada para toda a sociedade. Mas agem como força privada, defendendo quem os trata como bucha de canhão. Massacram pobres na Maré para que os ricos cheirem em paz no Leblon.


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