Folha de S. Paulo


Nei Lopes

RIO DE JANEIRO - Não custa registrar que, ao se falar aqui de "Bilac Vê Estrelas", em cartaz no Rio, a ideia não é agradar o colega de coluna Ruy Castro, autor do livro que deu origem ao musical. O assunto é Nei Lopes, criador das canções.

Não deveria haver qualquer surpresa em se afirmar que Nei, carioca do subúrbio do Irajá, é um dos maiores compositores brasileiros em atividade. Profícuo sem perder o rigor, já produziu sucessos como "Senhora Liberdade", "Gostoso Veneno" (ambos com Wilson Moreira) e "Tempo de Dondon", dentre dezenas de exemplares da melhor música popular. Logo, por que se escrever sobre ele?

Por causa do espanto. Ouvir, em apenas uma hora e meia, 15 canções novas, não menos do que excelentes, é um acontecimento raríssimo, espantoso. Lembra o tempo antediluviano em que comprávamos discos, púnhamos no aparelho de som e ficávamos chapados ao escutar um trabalho deslumbrante.

Pode ser que nenhuma das 15 tenha vida longe dos palcos, tão perfeitas que são para a peça. Não importa, pois trilha de musical é feita para funcionar no teatro, não necessariamente fora dele –embora esse seja um efeito colateral desejável. Mesmo sem conhecê-las antes, o público improvisa coros, sai do Sesc Ginástico cantarolando-as e conferindo as letras no programa.

Faz lembrar a figura do "óbvio ululante", de Nelson Rodrigues. Como não chamar de grande um autor capaz de produzir –em menos de dois meses, pelo que foi informado– um repertório dessa qualidade e com esse poder de sedução? Nei estar entre os maiores é o óbvio ululante.

E, embora sempre tratado pela imprensa como "sambista" (rótulo redutor e algo racista), ele não fez sambas para o espetáculo, pois o gênero não existia em 1903, ano da trama.

Cole Porter, quem diria, acabou no Irajá. E se deu bem.


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