Folha de S. Paulo


Palavras

RIO DE JANEIRO - Historiazinha interessante se deu na sexta-feira no Rio. Luiz Fernando Pezão participava de um ato de campanha ao lado de Romário. Instado a citar os projetos do ex-jogador que encampara em troca de apoio à sua reeleição, o governador engasgou. Teve que pedir socorro ao senador recém-eleito: "Me lembra".

Em português corrente, Pezão "deu sua palavra" a Romário. Uma semana depois, já esquecera o que tinham conversado.

Não se deve crucificar o governador. Arrotados "em nome de princípios", esses apoios de segundo turno quase sempre são em troca de fins: cargos, verbas, alianças futuras.

E palavra é mercadoria que anda sem valor no mundo todo. Não por falta, mas por excesso. É banal.

Segundo estimativa de um estudo da Universidade da Califórnia –já citado por Francisco Bosco e Adauto Novaes–, o número de palavras proferidas apenas nos EUA saltou de 4,5 trilhões em 1980 para 10,8 trilhões em 2008. Supõe-se que continue crescendo. Falamos sem parar. Sem pensar.

"O discurso do homem político que quer chegar a uma função de poder (e, na maioria das vezes, a mais alta função) é, em sua essência, um discurso mentiroso", escreve o sociólogo francês Eugène Enriquez, de modo provocador, no ensaio "O Discurso Político", que integra o livro "O Silêncio e a Prosa do Mundo", organizado por Adauto Novaes.

Ele explica que disputa eleitoral não é jogo da verdade. O que os candidatos procuram despertar é confiança, empatia –ou levar o adversário a provocar desconfiança, antipatia.

As perguntas se repetem nos debates. O objetivo é irritar o oponente até fazê-lo dar a resposta errada, dizer a frase proibida. Busca-se a palavra que destrói, não a que constrói.

Campanha "propositiva"? Maquiavel e Hobbes ririam disso. Mark Zuckerberg está gargalhando.


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