Folha de S. Paulo


#VouCareca: Mulheres de cabeças brilhantes

Já vou pedindo desculpas pelo trocadilho do título acima, mas acho que vale a pena: trata-se aqui de mulheres que assumem a cabeça raspada, brilhante portanto, não por modismo ou para "causar", mas para enfrentar o incômodo dos cabelos que caem por conta da quimioterapia.

E fazem isso com determinação porque é preciso encarar uma doença tão recorrente quando assustadora –o câncer de mama– e porque é preciso ter força e coragem de assumir suas fragilidades diante de todos, deixando de recorrer a perucas e lenços, atitude esta, claro, fruto do outro brilho, o interior, o que lhes dá luz própria.

Carolina Sanovicz, 26, é uma moça bonita, ativa e altiva, rápida no raciocínio, nas palavras e nas atitudes. Morava em Portugal, onde trabalhava no ramo de turismo, depois de estudar na Espanha. Após dois anos e com o companheiro na "bagagem", resolveu voltar ao Brasil, hoje trabalha aqui para o governo da Catalunha, promovendo o turismo para a região.

No seu retorno, trouxe também um nódulo no seio, o qual acompanhava com exames (ultrassons) periódicos desde 2013.

Manteve sempre e rigorosamente o protocolo: a cada seis meses, novo exame para ver se o nódulo crescia. No último ultrassom, realizado em julho, tinha crescido. Encaminhada para uma biópsia, Carolina recebeu a notícia: câncer.

Passaram-se duas semanas entre o diagnóstico, a operação radical (mastectomia bilateral com imediata reconstrução) e a decisão de mudar um hábito: Carolina, que sempre fora meio arredia em relação a redes sociais, resolveu colocar um post no Facebook contando o que estava acontecendo com ela.

"Eu nunca gostei de me expor nas redes sociais, mas queria, ao mesmo tempo, contar para os meus amigos o que estava acontecendo e também avisar que mesmo assim eu estava bem, firme. Mas também quis enfrentar um pouco o choque que as pessoas sentiam quando eu contava a elas que estava com câncer. Porque por mais que a pessoa tivesse informação a respeito do câncer de mama, quando eu contava era um choque..."

Sim, ela conseguiu informar e tranquilizar os mais próximos com a postagem no Facebook, como previra, mas o que não esperava foi a repercussão que suas palavras encontraram. Em poucos dias seu post foi replicado por amigos, amigos de amigos e os amigos destes e hoje tem mais de 200 mil "likes".

Ela não imaginava que isso fosse acontecer, mas a surpresa virou satisfação: "As pessoas precisam saber o que eu não sabia para se cuidarem. Se eu tivesse três anos atrás as informações que tenho hoje, teria procurado um mastologista logo que surgiu o nódulo. Teria provavelmente feito uma punção e descoberto logo que ele era maligno e operado."

Da operação –e do primeiro post– para cá a vida de Carolina se transformou muito, não apenas pelo tratamento a que teve de submeter, mas sobretudo pelo fato de ela ter se transformado, ao expor em sucessivos posts e fotos no Instagram, as vicissitudes do seu dia-a-dia, em uma referência, um exemplo de como encarar uma adversidade dessas. "Eu acabei sendo procurada por muitas mulheres na mesma situação que eu, mas algumas que nem tinham um médico para consultar, perguntando coisa tipo: eu também tenho um nódulo, o que eu preciso fazer? Claro que eu não posso resolver isso, mas acho que de alguma maneira ajudo se contar a minha experiência, o que eu faço e como faço."

Na conversa com Carolina, chama a atenção não apenas a desenvoltura e o otimismo –"Estou lidando com uma doença grave, porém ela pode ser tratada"– mas também a postura com que, por exemplo, ela faz questão de falar a palavra câncer. "Me incomoda as pessoas evitarem falar câncer, reforçando o estigma. É uma bobagem, a mesma coisa que acontecia com a Aids, que todo mundo fazia questão de esconder e hoje tem um monte de gente convivendo com ela."

Certamente o fator informação ajuda muito, bem como a consciência de que outras pessoas da família –o pai, o avô e um tio– também conviveram com a doença. No caso do pai, Eduardo Sanovicz, executivo e professor, há ainda o exemplo da superação, por ter enfrentado e vencido o câncer.

Mas, no prosseguimento do que chama de sua "saga", Carolina vai em frente: aproveitando a visibilidade proporcionada pelas redes sociais e a partir de um fato corriqueiro –ter sido elogiada num shopping pelo fato de estar com cabeça raspada descoberta–, ela decidiu lançar o movimento #voucareca. E explica: "Antes mesmo de começar a químio, cortei o cabelo, que era cabelão, bem curtinho, pra ir me acostumando. Quando ele começou a cair, raspei de vez. Cheguei a comprar uma peruca, mas nunca usei. Lenço, uso em algumas ocasiões, como no trabalho, pra não chamar a atenção demais. Mas no dia-a-dia prefiro a cabeça raspada, mesmo, é muito mais confortável."

Conforto que, segundo ela, pode incomodar outras pessoas: "A mulher que me parou no shopping elogiou minha coragem e disse que não tirava a peruca por ter vergonha do que os outros iriam dizer. Eu acho que a mulher com câncer tem mais é que sentir orgulho de exibir a careca, não vergonha; ter orgulho de ser forte. O cabelo é muito simbólico para a mulher, então a careca deve ser o símbolo de que ela está enfrentando seu problema com coragem. O que eu quero com essa campanha é fazer as pessoas ficarem um pouco mais felizes, mais seguras. Se ela se sentir bem com a peruca ou com o lenço, ok. Mas se não quer cobrir a cabeça, não pense no que os outros vão dizer."


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