Folha de S. Paulo


É 2015, idiota!

Durante a apresentação de seu gabinete (a maneira como um ministério é chamado no regime parlamentarista), o jovem e recém-eleito primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, 43, surpreendeu a todos ao revelar uma equipe composta em partes iguais de homens e mulheres.

Havia também entre os escolhidos para administrar o país uma diversidade étnica enorme, imigrantes, indígenas, minorias religiosas e um cadeirante, bem como chamava a atenção a pouca idade dos membros da equipe, a maior parte abaixo dos 50 anos.

Mas foi o fato de haver tantas mulheres quanto homens (15 a 15) que provocou a curiosidade (ou o conservadorismo...) de jornalistas presentes, tanto que um deles, durante a entrevista coletiva que se seguiu, não se conteve: "Mas por que isso de igualdade de gênero?".

Resposta de Trudeau: "Porque é 2015!"

Respondeu assim e em seguida fez um gesto largo com as mãos e um certo esgar com a boca, como quem dissesse: é tão óbvio, tão necessário, tão natural que não entendo como você pode estar fazendo uma pergunta tão imbecil...

Mas Trudeau é fino, não disse isso.

Ficou na resposta seca e brilhante, e foi aplaudido pela equipe e ovacionado pela plateia.

Uma plateia evidentemente moderna e progressista como ele, representativa do eleitorado que levou este homem de linhagem liberal e passado de exemplos democráticos ao comando do país depois de quase uma década de governo conservador do premiê Stephen Harper.

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Justin Trudeau tem berço, é filho de Pierre Trudeau, primeiro ministro com pinta de playboy que governou o país entre 1968 a 1979, voltando ao poder nos anos 1980. Nos anos 1970, atuou trajando ternos super bem cortados, mas em vez de sapatos usou inúmeras vezes tênis brancos. Lançou moda. Assim como "causou" ao circular ao lado de rockstars e celebridades da época, mais intimamente com a ex de Mick Jagger, Bianca Jagger, uma deusa do então jet set internacional.

Trudeau pai liderou uma onda de modernização e liberalização do Canadá, que no emblemático ano de 1968, quando o mundo fervia e ele assumiu pela primeira vez o posto, se defrontava com dilemas cruciais, como revolver uma sociedade até então fortemente controlada pelo poder clerical, proporcionar reformas econômicas que permitissem ampliação dos direitos sociais e promover o compartilhamento do poder econômico, até então basicamente concentrado nas mãos da minoria anglófona, em detrimento dos demais, francófonos.

Fez história à frente das conquistas que se sucederam.

Assim como Trudeau filho deverá fazer história se mantiver e cumprir as promessas do seu partido, entre as quais se destacam como mais polêmicas: taxar os mais ricos, favorecer o debate sobre a legalização da maconha e incentivar o acolhimento de refugiados.

Pela composição de seu gabinete, começou bem.

Como se sabe, o Canadá enfrenta cotidianamente o desafio da convivência de população portadora de uma multiplicidade de raças e de um volume de imigrantes admirável, mas de onde deriva toda sorte de problemas –de língua, de educação, de trabalho, de seguridade social etc. Também a convivência com as populações indígenas, originais do país anteriormente à chegada do homem branco, permanece sendo uma questão ainda não totalmente equacionada.

Quanto às mulheres, bem, como ele disse, estamos em 2015...

Embora por aqui nossos parlamentares conservadores, grande parte de nossos empresários e nossos machistinhas ridículos não tenham se dado conta disso.


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