Folha de S. Paulo


Guerra ao tráfico... de pessoas

Um grande negócio está angariando cada vez mais "empreendedores" em pontos específicos do planeta, mas não é nada que possa causar orgulho a negociantes bem-sucedidos, tampouco aos seus "fregueses". Trata-se, isto sim, de uma vergonha planetária que a cada dia que passa e a cada nova imagem que aparece estampada pelos veículos de comunicação mundo afora causa espanto e indignação, para dizer o mínimo.

Está se falando aqui sobre o fenômeno expansivo da imigração ilegal, nome que se adotou para dar um lustro mínimo ao que se configura, isto sim, tráfico de pessoas.

A Itália é o país da vez, para onde afluem diariamente centenas e centenas de pobres famélicos que antes de buscar um refúgio minimamente decente para viver, estão mais é querendo escapar da guerra, da fome, da miséria, da morte certa em diversos países da África, trocando-a pela vida incerta em qualquer lugar do chamado primeiro mundo.

Claro que é um problema complexo e até recentemente distante que se avizinha com os bolivianos escravos das oficinas de costura e africanos trambicando celulares em São Paulo ou os haitianos que o Acre exporta para demais pontos do país.

Mas nada se assemelha, por aqui, à grande tragédia a que se assiste na Europa, onde os números são vergonhosamente eloquentes: 3.960 pessoas resgatadas no mar pela Itália num único dia ou um total de 1.750 mortos no Mediterrâneo apenas nos cinco meses deste 2015.

E a tendência é o crescimento progressivo, dada a possibilidade de êxito do "negócio" que se desenvolve por traz dessa chaga contemporânea. Segundo dados da ONU, o refugiado africano paga para tentar alcançar a Europa o equivalente a R$ 10 mil —com o risco de morte ou deportação pairando permanentemente na cabeça. Assim, uma só embarcação clandestina atulhada de escravos pós modernos chega a lucrar perto de U$ 1 milhão por viagem. Ou seja, baita negócio, que tem estimulado o aparecimento de mais e mais traficantes de pessoas.

Resta saber se o mundo ocidental estará disposto a gastar, no combate a este tráfico, algo semelhante ao que vem botando pelo ralo nas últimas décadas no combate ao primo-irmão tráfico de entorpecentes, dentro da malfadada guerra às drogas, de retumbante fracasso.

Desde que Richard Nixon cunhou esta expressão em 1971, estima-se que se gastou nada menos que US$ 1 trilhão no combate às drogas ilícitas sem que o consumo e o comércio fosse expressivamente abalados. Ao contrário, o que a política de criminalização do consumo e militarização do combate engendrou foi o surgimento de máfias e organizações criminosas, multiplicação milionária dos efetivos e equipamentos de segurança e o fortalecimento de redes de corrupção de agentes públicos, que somados movimentam algo em torno de R$ 300 bilhões por ano.

O que se pergunta: é quando e em que proporção haverá a mobilização dos grandes do planeta —alô, alô, Tio Sam!— para enfrentar com vigor equivalente os que traficam não baseados, mas vidas humanas?


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