Folha de S. Paulo


As 'irmãs' de Chico Buarque

Que o escritor, compositor e cantor Chico Buarque de Hollanda tem uma conexão extraordinária com as mulheres, seja por conta de seu volumoso público mulheril, seja pela maneira com que expressa sentimentos e almas femininas por intermédio das personagens de suas canções, todos sabem e admiram —exceto, é claro, seus detratores.

Genis, Anas de Amsterdã e tatuagens que ficam no seu corpo como se fosse sua casa são referências corriqueiras para seus admiradores.

Daí a grata surpresa de encontrar a expansão deste universo brotar de forma extremamente sutil no mais recente livro do autor, "O Irmão Alemão", lançado no final do ano pela Companhia da Letras.

O livro relata a busca do personagem central, Francisco, por um irmão perdido na Alemanha, onde o pai viveu por poucos anos na década de 30. História esta absolutamente autorreferencial, uma vez que o pai de Chico, o historiador Sergio Buarque de Holanda, teve mesmo um filho naquele país e naquela época, fruto de um relacionamento fugaz.

Afastados por contingências várias e praticamente impedidos de se reencontrar por causa da expansão do nazismo, o irmão acaba se perdendo na história, até que o narrador —e o autor...— resolve descobrir seu paradeiro.

A história gira em torno deste personagem/alter ego, de seu pai bibliófilo, do tal irmão ausente, do outro irmão, legítimo, que também torna-se ausente a partir do momento que desaparece nas mãos de agentes repressores da ditadura militar brasileira, e de outros personagens masculinos mais ou menos presentes —o amigo que também se torna desaparecido político, o professor de piano, seu filho esquisito.

O universo e a "pegada" são fortemente masculinos, até com certas doses de machismo, o que oferece um constraste excepcional para as mulheres que desfilam ao longo do livro, a começar pela mãe do narrador, seguindo pela mãe do irmão alemão, a mulher do professor de piano, a vizinha artista meio biruta, a hippie maluquete, a guerrilheira latino-americana e as fantasias recorrentes em torno de uma quase-namorada.

Quase nunca o foco central da narrativa ou o primeiro plano está nestas mulheres, e elas praticamente servem de pano de fundo ou "escada" para as peripécias dos rapazes. Mas como são interessantes, fortes, expressivas, mesmo que traçadas com cores tênues, meio que pastel.

Embora essas personagens complexas tenham me chamado atenção ao longo do livro —cuja leitura recomento vivamente— só percebi sua força exemplar por via indireta. Na verdade, achei que o teor digamos assim mais macho da narrativa incomodaria as moças e agradaria aos rapazes.

Mas, para minha surpresa, deu-se o contrário quando postei elogios ao livro no Facebook: de cara houve uma defecção masculina —o livro é chato, arrastado...—, seguidos de diversos comentários positivos por parte das meninas.

Como disse naquele post, o livro é poético, erudito, histórico e divertido na medida e, em vários momentos, encanta pelo refinamento com que algumas ideias são desenvolvidas e se tornam frases admiráveis.

Boa leitura.


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