Folha de S. Paulo


Diretas-já, um dia pra não esquecer

"Pronto, acabou..."

Vestido inteiramente de amarelo, eu estava em pé em cima de uma das mesas de aço no meio da velha redação da Folha na Alameda Barão de Limeira, 425, 4º andar.

A madrugada já ia avançando, e todo aquele povo vestindo roupas amarelas tinha o olho grudado na telinha da TV a tubo que transmitia direto e ao vivo de Brasília a votação da emenda que poderia restituir a votação direta para presidente da República do Brasil.

Pronto, acabou, eu disse, ao ver que o último dos 65 votos governistas contra a emenda fora dado, e matematicamente seria impossível aprovar a emenda constitucional tão ansiada. Faltaram 22 votos...

Enterrava-se ali, 30 anos atrás, 25 de abril de 1984, uma esperança que tinha ganhado proporções de celebração e que contagiara todo o país, nas maiores manifestações públicas e cívicas ocorridas desde sempre no Brasil.

Um só povo, uma só voz, um só grito: Diretas-já!

Mas pronto, acabou. Nada tinha adiantado os comícios todos Brasil afora, o milhão de pessoas nas ruas do Rio, o milhão e meio no Anhangabaú, nada...

A emenda constitucional proposta pelo deputado Dante de Oliveira foi rejeitada e lá voltamos nós para os computadores de tela verde para noticiar a derrota como se fosse um desastre, como quem noticia um falecimento, a perda de um ente querido...

Estávamos nós, tristes, chorando alguns, num lamento com ares de ressaca patriótica. Ressaca de quem tinha "bebido" muito. Afinal, durante toda a campanha das Diretas-Já a vibração na Folha era de uma redação predominantemente jovem e absolutamente engajada naquela onda que percorreu o Brasil e que tinha no jornal seu arauto, seu porta-voz e praticamente seu veículo oficial.

O espaço que a direção da Folha decidiu dar às Diretas era correspondente aos anseios de todos seus jornalistas, ou quase todos, que seja.

Estávamos fazendo história e iríamos registrar a maior mudança política do Brasil, pensávamos, falávamos, curtíamos, torcíamos.

No grande comício do Anhangabaú, eu estava de plantão e, apesar de ser feriado, 25 de janeiro, feliz por trabalhar como redator na grande equipe montada pelo jornal para publicar a cobertura do evento.

A animação era tanta que eu e a colega Renata Rangel simplesmente fugimos do trabalho e fomos ver o povo na rua. Contagiados pelo clima quase carnavalesco, andamos até o viaduto do Chá, eu vestindo uma ridícula calça listrada de amarelo e preto. Foi mais que emocionante, é para nunca mais esquecer aquele mar de gente e de bandeiras e de vozes gritando "eu quero votar pra presidente do Brasil..." Valeu até a bronca que levamos do então chefe e sempre querido amigo Dácio Nitrini na volta ao trabalho...

De certa forma fizemos história, porque nunca houvera uma mobilização tão grande e festiva e que aglutinara setores os mais diversos da nação. Tenho orgulho de todos os textos que copidesquei e de todos os títulos que fiz para a cobertura da derrota...

Logo depois da ressaca vieram as eleições ainda uma vez indiretas, Tancredo venceu Maluf no colégio eleitoral, mas nunca tomou posse –outro grande momento jornalístico, acompanhar a agonia do presidente que foi sem nunca ter sido na redação da Folha.

Mas esta é uma outra história que fica para uma outra vez, assim como fica apenas aqui no canto das boas e emocionantes lembranças outro fato maravilhoso de um 25 de abril, ocorrido dez anos antes das diretas, que foi a Revolução dos Cravos que libertou Portugal das trevas salazaristas.

A gente lembrava, em 84, muitíssimo bem da alegria do povo português nas ruas celebrando e cantando e queria também ter uma festa tão bonita, pá!

Mas não teve.


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