Folha de S. Paulo


A piada do dinamarquês

Você sabe a piada do jornalista dinamarquês?

Não é propriamente uma piada, mas acabou virando, a história do rapaz que veio ao Brasil supostamente para se inteirar do país com o objetivo de produzir material jornalístico sobre a Copa do Mundo. E que teria descoberto, no Ceará, um esquema de extermínio de crianças de rua com o também suposto objetivo de limpar a cidade para que gringos como ele não tomassem conhecimento desse tipo de desgraça, crianças de rua.

Só que o rapaz, que se chama ou Mikkel Keldorf ou Mikkel Jensen, há controvérsias, em vez de fazer jornalismo com a grave informação de que, sempre supostamente, dispunha, resolveu "denunciar" esta situação em sua página no Facebook e simplesmente deixar o país.

Como se dizia antigamente no meu meio, ele fugiu da notícia.

Mas a piada começa justamente aqui, no momento em que a atitude ridícula, pífia e leviana do tal rapaz, que demonstrou não ser jornalista coisa nenhuma, mas um oportunista, foi levada a sério por muita gente séria que circula nas redes sociais e até mesmo alguns veículos, sobretudo online.

A covardia e a falta de profissionalismo foi levada a sério como "denúncia".

E daí ao o povo comprar a versão do "extermínio de crianças em nome da Copa" foi um pulo.

Não importou que a história do dinamarquês não tivesse respaldo nenhum na realidade recente, que não tivesse fontes confiáveis e que transpirasse suspeição: sua história vingou e ele tornou-se famoso no mundo virtual e celebridade em seu país.

Bingo!

Bastaram suas palavras rasas e suas atitudes aparentemente paranoicas para todo mundo passar a descer o pau no Ceará, no Brasil, na Copa, ai, pobres de nossas crianças, em tudo o de ruim que temos e que todos os gringos que virão para cá precisam saber e denunciar porque somos uns índios trogloditas e escondemos nossas mazelas e mentimos e temos governos crápulas que só fazem roubar e esconder e... Somos péssimos, enfim.

A questão é a seguinte: sim, temos problemas demais, corrupção, gastos exagerados, deficiências na educação e na saúde, crianças de rua etc. etc.

Não, podem ficar tranquilos, não vou falar agora de tudo o que temos de bom, positivo, correto, eficiente, porque não adianta mesmo e não serve ao raciocínio aqui.

O ponto é: não precisamos que um dinamarquês babaca e desequilibrado venha para cá inventar histórias macabras e tampouco que estas histórias sejam replicadas de forma acrítica por outros tantos babacas, sem checagem, sem confronto com a realidade, sem nenhum tipo de cuidado ou responsabilidade, por quem quer que seja.

Nos basta a nossa realidade real.

Acho muito mais preocupante esse tipo de atitude, assim como a beligerância dos que insistem em dizer que "não vai ter copa", do que a situação das crianças do Ceará, de resto assistidas por por diversas ONGs que prontamente desmentiram o tal dinamarquês.

É muito mais preocupante, sim, a imagem do amontoado de noias na nossa popular cracolândia do que a história fantasiosa do menino que vende amendoim em Fortaleza e que o dinamarquês quis "proteger" indo embora do Brasil.

Quer saber? Já vai tarde, "jornalista".

Nossas verdades são muito mais chocantes do que qualquer ficção nórdica!

E é por estas e outras que eu tendo a concordar com uma amiga, esta sim jornalista de verdade que diz o seguinte: a Copa poderá não deixar legado, mas certamente deixará sequelas...


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