Folha de S. Paulo


O jardim chinês

Que brunch nada, acordei domingo cedo e fui tomar café da manhã num restaurante chinês. A alegria deste assunto de comer é procurar sempre a zona de desconforto (com longos períodos no carinho do conhecido, claro, pois aventuras cansam).

O China Garden abre às 8h. Cheguei às 9h e já estava lotado. Mesas muito grandes, famílias animadas.

Fui colocado na entrada, ótima mesa para observar, sendo o único não oriental presente. Sou perito em gafes, sempre tenho medo de depositar os hachis numa posição que possa ofender ou despejar molho na sobremesa. Quando em dúvida, copie os que parecem seguros do que estão fazendo.

Não parece nem um pouco com a comida chinesa habitual, ocidentalizada, fast-food, aquela das caixinhas. É refinada, peculiar. Bem no estilo "lost in translation". Fiquei olhando bestamente os vários cardápios, até que apareceu o Thales, garçom brasileiro, falante e entusiasmado pelo lugar em que trabalha. Explicou como funcionava: são porções no estilo tapas, as de R$ 9, as de R$ 12, as sopas... Pedi algumas porções que deveriam ser seguidas por sopa de siri.

Não sou muito amigo de sopas em razão do hábito do vinho — demasiado líquido numa refeição. Acabei comendo bolinhos fritos de porco e saborosos "shaomai" de siri no vapor. Mas o pato me atraia bastante e, como já chegava a hora do almoço, pedi também a pele do pato com as panquequinhas e recheios, no estilo Pequim, só que para viagem.

O restaurante é bonito, enorme, uma versão elegante do Chi Fu (no tamanho, a comida é muito melhor). A novidade, no caso de restaurantes chineses, é ter preocupação em boa oferta de vinhos
—aliás uma adega que ocupa toda a parede do fundo foi que me alertou. Meu guia e garçom me disse que o catena dv syrah-syrah é um dos favoritos dos clientes, com o pato.

Fiz um tour pela casa, tem jardim no fundo, um segundo andar com salas reservadas, uma coleção de destilados bem nutrida, com poltronas para bebê-los.

Tomei chá de jasmim, pois não imagino um café da manhã com um tinto argentino. Mas em casa, com o pato, abri vinho.

Corri para minha fonte de comida chinesa, a inglesa Fuchsia Dunlop. De fato, os bolinhos cozidos ao vapor nas cestinhas de bambu são o desjejum mais comum na China, mas ela os chama de "bao zi". Imagino que seja algo ainda para longa discussão: a transcrição dos caracteres chineses para o falar ocidental, tal como ocorreu com o nome das cidades. Levaremos anos até o estabelecimento de uma língua franca para designar os pratos.

Dunlop fala algo que me apropriei, o "tea breakfast", melhor definição para aquele chá da manhã que tomei. Tímido, não arrisquei, mas olhei com grande apetite para o bucho de porco no vapor, os pés de galinha fritos com molho de soja e outras coisas que podem ser interessantes.

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China Garden
onde: av. Turmalina, 45, Aclimação

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Pato e vinho

Já escrevi bastante sobre o assunto, talvez por gostar tanto de comer patos, das mais variadas maneiras. No caso era um pato a pequim, mas só a pele crocante laqueada, as pequenas panquecas e os adereços e molho. Quem nunca viu isso, pense numa tapioca. Pedaços da pele da ave são apresentados com círculos de massa cozida, um prato com cebolinha, tiras de pepino e outras coisas cruas.

Isso é montado pelo cliente ao seu gosto, um pedaço da pele, alguns recheios, terminando com o molho, que é uma pasta densa e temperada, fruto dos caldos do assado mais outros ingredientes. A textura é de um molho barbecue. Isso é enrolado e comido com a mão.

Como estamos no período pós-Beaujolais Nouveau, é um tipo de vinho refrescante, ligeiro, matador de sede, que combina bem com a informalidade de comer com a mão os nacos de pato, que serão adequadamente acompanhados por amplos goles do vinho. Mas outros tintos com boa presença de acidez farão bonito também, pois a pele é gordurosa.

Já os bolinhos no vapor, como expliquei, vão com chá. Se forem consumidos como almoço e houver vontade de beber vinho, pela delicadeza dos sabores (em especial o de siri), eu prefiro um branco seco. Andei provando alguns na semana passada. Selecionei dois que me agradaram bastante, um português e um grego.

Comida chinesa, pelo que entendi, é acompanhada pelos chineses com tintos ou com shochu, aquela forte aguardente. O consumo crescente de vinhos (e a produção também) na China é de tintos, repetindo os nossos padrões de comportamento.

Não tenho nada para argumentar, só acho que quem não bebe brancos está perdendo uma possibilidade grande de prazer. Vinho tem a graça de você não precisar fechar seu universo. Para que dizer: "Só bebo tintos"? Pode ter quantas taças quiser sobre a mesa, prove de tudo, terá surpresas.

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Vinhos da semana

Divulgação

1. Tetramythos Roditis, R$ 98,50 (Decanter )
2. José Maria da Fonseca BSE, R$ 85,80 (Decanter )
3. Alamos Syrah, R$ 62,16 (Mistral )
4. Canepa Novíssimo, R$ 38 (Wine.com.br )


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