Folha de S. Paulo


Melhor vinho do mundo não existe, o que há é desejo e marketing

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Vinho Casa Perini Moscatel da vinícola gaúcha Casa Perini
O Casa Perini Moscatel, da vinícola gaúcha Casa Perini

Circulou nas redes nesta semana um ranking que classifica um espumante brasileiro como o quinto melhor vinho do mundo. Seu preço, cerca de R$ 40, chamou a atenção de internautas.

O vinho é o Casa Perini Moscatel, produzido pela vinícola Perini, do Rio Grande do Sul. O ranking anual é do "World Ranking of Wines & Spirits", elaborado pela Associação Mundial de Escritores e Jornalistas de Vinhos e Destilados, que afirma ter 13 mil membros em 80 países. Segundo a organização, para esta edição da lista, foram provados 700.930 vinhos, um número recorde.

Bom, primeira coisa, claro que o espumante pode ser bom (é, sim, conheço o Moscatel da Perini), mas quinto melhor do mundo é bobagem. É claro que não é. Já é difícil e, do meu ponto de vista inaceitável, qualificar vinhos em rankings.

Melhor vinho do mundo não existe, o que há é raridade, desejo, marketing, status. Agora veja a lista, onde estão os grandes Bordeaux? Os Borgonhas famosos? O Vega Sicilia espanhol? Barca Velha? Não estão, não porque perderam no ranking: eles apenas não entram em concursos.

A segunda coisa é explicar como os concursos, supostamente esse ranking aí é uma compilação, são feitos. É da seguinte forma: os produtores inscrevem seus produtos, mandam, digamos duas garrafas, pagam pela inscrição e esperam o resultado.

Não discuto os critérios nem a qualidade dos jurados. A revista inglesa "Decanter" tem um corpo internacional de jurados de muito nível e atribui ouros, pratas e bronzes por países e estilos. Mas sempre, friso, entre quem se inscreveu. Então você nunca verá lá um Romanée-Conti sendo galardoado.

O que se pode traduzir dessa lista é "entre os vinhos inscritos em concursos internacionais, aparece um espumante brasileiro bem colocado".

"Quinto melhor vinho do mundo" é só marketing, sem discutir quem escolheu.

Poderia ser o papa Francisco, o Dalai Lama e o Mujica no júri, eles julgariam com limpeza e correção, mas apenas das amostras apresentadas. Fora dessa lista, que não mandaram garrafas para concursos, deve estar 7/8 do vinho mundial. É caro se inscrever e muito lucrativo para quem promove os concursos.

Os espumantes brasileiros cresceram em qualidade, são o que melhor é produzido aqui, há boas uvas, boa técnica. Em geral, são para consumo rápido, com preço bom e fáceis de encontrar.

Espero que seu consumo aumente mais, mas não na base de comparações desnecessárias com produtos importados. Eles são gostosos em si, no é preciso colocar em rankings alambicados.

Eu prefiro um espumante nacional acabado de produzir, com traceabilidade (saiu da vinícola, veio direto para a prateleira) do que uns franceses suspeitos que estão cozinhando faz tempo atrás de uma oferta de ovos de Páscoa no supermercado.

Vamos beber, sim, o espumante premiado, mas sem a patriotada, pois é grossa besteira achar que é assim. E se bebermos o quarto melhor do mundo quanto mais prazer teremos?

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Luiz Horta escreva a coluna "Volta & Mesa" aos domingos, na revista sãopaulo.


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