Folha de S. Paulo


Por que permitimos que Warren Buffett seja machista?

Nicholas Kamm/AFP
Bilionário Warren Buffett
Bilionário Warren Buffett

Quando Warren Buffett foi entrevistado na semana passada pela rede de TV CNBC sobre a rejeição da oferta da Kraft pela Unilever, ele contou uma história engraçada. Ou melhor, contou uma história que ele achava engraçada. O bilionário olhou para a jovem repórter que estava conduzindo a entrevista e perguntou se ela sabia a diferença entre um diplomata e uma dama. Becky Quick respondeu que não.

Com um brilho de alegria no olhar, Buffett seguiu adiante e explicou à repórter que, se um diplomata diz talvez, ele quer dizer não. Mas "se uma dama diz não, ela quer dizer talvez. E se ela diz talvez, ela quer dizer sim. E se ela diz sim" —e a esta altura ele estreitou os olhos em um sorriso—, "ela não é uma dama!".

A câmera recuou para apanhar a expressão da apresentadora, que estava encarando Buffett com horror, enquanto mantinha um sorriso fixo nos lábios. A piada não tinha graça. Mesmo no universo das piadas machistas sem graça, aquela parecia especialmente tosca.

Mas Buffett escapou incólume. A maioria dos jornais (entre os quais o "Financial Times") optou por não mencionar sua gracinha impensada. A revista "Fortune" se referiu simplesmente ao seu uso de uma "estranha analogia" para explicar a resposta da Unilever à oferta. No Twitter, o repositório mundial da indignação moral barata, pouca gente pareceu se incomodar por o homem que dirige uma das maiores e mais respeitadas empresas do planeta ter contado uma piada que parece ver graça em estupros. Um par de pessoas postou mensagens chamando Warren Buffett de porco chauvinista, mas foi só.

Cinco anos atrás, Sebastián Piñera, então presidente do Chile, fez a mesma piada infeliz —mas no caso dele, isso causou uma tempestade. Quando Sir Tim Hunt, cientista laureado com o Prêmio Nobel, disse que o problema de ter moças no laboratório é que você se apaixona por elas e elas choram quando recebem críticas, se viu forçado a renunciar. O mesmo aconteceu com Kevin Roberts, da Saatchi & Saatchi, quando ele declarou que já não existia problema de diversidade de gêneros na publicidade. Por que, então, Buffett escapou impune?

Pode ser que a tolerância quanto a piadas de mau gosto tenha crescido muito nos Estados Unidos. Em comparação com o que outros homens velhos e importantes vêm dizendo recentemente, a piada de Buffett parece inócua. Diante da afirmação de Donald Trump de que "se Ivanka não fosse minha filha, eu talvez namorasse com ela", a brincadeira de Buffett mal parece repulsiva.

Ou talvez perdoemos o "sábio de Omaha" porque ele tem 86 anos. Buffett cresceu em uma era diferente, quando o machismo ainda não havia sido inventado. Sem dúvida o jovem Buffett e seus amigos muitas vezes brincavam, inocentemente, que o não de uma "dama" significava talvez —e ninguém via coisa alguma de ruim nisso.

Mas essa desculpa não pode colar. A idade só é defesa para os velhotes senis. Quando aquele tio pré-histórico diz algo de racista ou machista, do conforto de sua poltrona em Bath, é perfeitamente razoável ignorar, com a justificativa de que ele está por fora dos acontecimentos, ou de que pouco haveria a ganhar em corrigi-lo, e muito a perder em irritá-lo.

Mas não é esse o caso de Buffett. Ele é uma figura pública cuja linguagem repleta de ditados tradicionais é muitas vezes apontada como exemplo. Ele controla um volume inacreditável de dinheiro —a Berkshire Hathaway, sua administradora de investimentos, tem cerca de US$ 450 bilhões sob administração. Que ele esteja fora de sincronia com os modos modernos é muito importante, portanto. Buffett deveria ou se atualizar ou pedir aposentadoria.

Mas suspeito que a verdadeira razão para que perdoemos Buffett é a mais indesculpável de todas. Nós o fazemos simplesmente porque ele é Warren Buffett. Não consigo pensar em outro líder empresarial que tenha sido reverenciado por tanto tempo, em qualquer época, em qualquer país, com a possível exceção de Joseph Rowntree e George Cadbury, ambos os quais continuavam trabalhando e recebendo adoração generalizada até depois dos 80 anos.

As pessoas sentem precisar de Buffett, hoje mais do que nunca. Estamos todos tão investidos em sua figura aconchegante, caseira, e reverenciamos suas opiniões a tal ponto que, quando ele começa a contar piadas machistas horrendas, só resta uma coisa a fazer: fingir que não ouvimos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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