Folha de S. Paulo


Chefe do Barclays precisa abandonar foco imperdoável na palavra valor

Cerca de uma hora após ser confirmado como presidente-executivo do Barclays, Jes Staley havia disparado um e-mail de 600 palavras para seus 132 mil novos subalternos.

Nele, se apresenta e diz o que se propõe a fazer com o banco "icônico" quando começar, no mês que vem. Poucos minutos depois de a mensagem ser publicada on-line me debrucei sobre ela, certa de que iria gostar muito.

Esse financista americano vem da minha própria alma mater, o JPMorgan, que, além de ter uma reputação de revelar alguns dos principais banqueiros do mundo, também tem a fama de expor algumas das suas mais duvidosas peças de comunicação.

O falecido Jimmy Lee era um mestre do absurdo, tornando-se imortal para mim em 2003, quando, como vice-presidente, enviou um e-mail pedindo que todos das finanças corporativas a usassem "o tempo hoje para ligar para os clientes e dizer a eles que você os ama".

No entanto, à primeira vista, Staley parece ter feito algo relativamente sensato. Não faz nenhuma declaração de amor. Nem finge ser humilde, como faz a maioria dos executivos recém-eleitos.

Em vez disso, sua manifestação emocional é apropriada a um homem que acaba de alcançar um cargo muito alto, ganhando até 8,25 milhões de libras por ano. Ele diz que está "animado", "honrado" e "ansioso para começar".

A mensagem que segue é um pouco sem personalidade, com uma convocação fraca: "Vamos trabalhar juntos para realizar... potencial." Mas pelo menos não há nenhuma das regras absurdas vendidas por seu antecessor.

"Minha ambição é restaurar o Barclays a sua posição legítima – de sucesso, admirado e bem-visto por todos", diz Staley. Isso é simples, claro e, embora os pontos dois e três sejam os mesmos, tem a vantagem de soar vagamente sincero.

Pelo menos, parece mais sincero do que o que vem depois. "Meu respeito pelo papel fundamental dos reguladores é inequívoco." Mas estou propensa a perdoá-lo por isso, já que um pouco de doçura não dói.

É só quando ele chega ao cerne do memorando que sua linguagem mostra pompa e feiura: "Vamos completar a transformação e o reposicionamento necessário do banco de investimento para um modelo menos intensivo em capital."

No entanto, mesmo aqui, eu o desculpo, pois aposto que fez isso de propósito. Uma das belezas do jargão é fazer você parecer mais sério quando faz um anúncio importante.

No geral, eu teria lhe dado seis sobre dez em seu memorando, não fosse por dois usos imperdoáveis da palavra que começa por "v". "Não se pode recuar em se tornar uma organização guiada por valores", insiste.

Receio que se possa. Na verdade, pode —e vai— haver recuo constante, já que ninguém sabe realmente o que é uma organização guiada por valores. O predecessor de Staley foi bastante enfático na ideia geral, mas tudo que Antony Jenkins alcançou com sua sigla RISES (respeito, integridade, serviço, etc. etc.) foi se tornar motivo de chacota.

Defender esses valores publicamente, como escrevi algumas semanas atrás, não é a melhor maneira de ser admirado e bem-visto por todos.

Pior do que o que ele tinha a dizer sobre os valores, no plural, era o que tinha a dizer sobre o valor, no singular.

Confiança, disse ele, era "a chave para desbloquear valor para o acionista". Isso, certamente, é falso. A confiança, embora claramente importante para os negócios em geral, não vai fazer nada sozinha.

É infernalmente difícil saber onde grandes bancos fazem seu dinheiro, mas os números pobres da semana passada e o preço da ação em queda sugerem que o problema do Barclays não é a falta de confiança; são as taxas de câmbio, os impostos, as despesas e assim por diante.

Mas o que realmente incomoda não é a falsidade, mas o clichê "desbloquear valor para o acionista". Esta é a frase favorita do chairman do Barclays, John McFarlane, que nunca faz nenhum anúncio sobre o banco sem se declarar dedicado a entregar, desbloquear ou criar valor para os acionistas, por isso não é surpreendente que ele tenha recrutado um presidente- executivo com o mesmo tic de conversação.

Presumo que ambos queiram dizer que querem que o banco ganhe mais dinheiro e que o preço de suas ações a suba. Ao usar a palavra "valor" eles esperam fazer com que grandes lucros soem mais... bem...valiosos, algo a ser considerado em vez de subestimado.

Infelizmente, não funciona. Valor não só é falso como conceito, mas é vago. Às vezes significa retorno sobre o capital; por vezes, lucro por ação e, em outras, valor da ação em alta.

Se Staley quer ganhar a minha confiança, ele poderia começar a usar um pouco mais as palavras "dinheiro" e "lucro". Ele poderia parar de criar ou de entregar valor - ou de entregar qualquer coisa, já que não há nada para colocar em uma van.

E, se quiser desbloquear alguma coisa, pode fazer isso com uma chave no dia 1º de dezembro, em seu escritório em Canary Wharf. Embora, pensando bem, se a confiança é a chave, não há necessidade de se ter uma chave de verdade para desbloquear ou destrancar uma porta de um escritório destinada a manter o resto do mundo do lado de fora.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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