Folha de S. Paulo


Na Netflix, engenhosa série alemã 'Dark' revigora o suspense sci-fi

David Lee/Netflix
O ator Louis Hofmann como Jonas Kahnwald na série alemã
O ator Louis Hofmann como Jonas Kahnwald na série alemã "Dark", da Netflix

Um dos (muitos) trunfos da Netflix, com seus estimados 100 milhões de assinantes pelo mundo, é trazer à atenção do grande público séries e filmes de países que não os EUA, tornando o gosto médio um pouquinho menos pasteurizado.

Na mesma leva em que o Brasil apresentou "3%", um sucesso que terá segunda temporada, a Alemanha sai-se bem agora com a engenhosa "Dark".

O suspense sobre a vida intrincada de quatro famílias em uma cidadezinha alemã em três tempos distintos tem sido comparado com a bem-sucedida "Stranger Things", por causa do clima oitentista, dos protagonistas adolescentes e do mistério em torno do sumiço de um deles, que impulsiona a trama.

As semelhanças, porém, terminam aí. Enquanto "Stranger Things" segue por uma via de apelo pop fácil remodelando clichês e elementos de roteiro dos anos 80, na tentativa de puxar uma e outra corda emocional do espectador, "Dark" envereda por uma espiral psicológica de relações humanas e suas conexões com o espaço e o tempo.

Nesse registro, "Dark" lembra mais a pretensiosa "Westworld", embora as temáticas sejam distintas. Enquanto na produção da HBO o inimigo é sempre "o outro", na acepção mais filosófica do termo, a série alemã olha essencialmente para dentro, e o que assusta nela, mais do que a névoa de sobrenatural que a envolve, são os monstros que vivem dentro das pessoas, não fora.

Trata-se de uma série profundamente alemã em sua angústia existencialista ao abordar temas (e medos) universais -e não só porque é falada na língua de Goethe.

"Dark" parte do sumiço de um adolescente na pequena Winden, uma cidade que abriga uma usina nuclear e cujo clima é invariavelmente horrível, repetindo um episódio semelhante do passado.

Pouco depois, Michael Kahnwald (Rudolph Sebastian) se suicida, deixando o filho, Jonas (Louis Hofmann), à caça de respostas; desaparece o pequeno Mikkel Nielsen (Daan Lennard Liebrenz), colocando a investigadora de polícia Charlotte Doppler (Karoline Eichhorn), e o pai do menino, Ulrich (Oliver Masucci), à procura de pistas que cada vez mais o lembram do sumiço do irmão, Mads, 33 anos antes.

A quarta família é a de Regina Tiedemann (Deborah Kaufmann), filha da antiga diretora da usina nuclear local, Claudia (Julika Jenkins).

As conexões entre os acontecimentos estão, de certa forma, ligadas à caverna perto da qual Mikkel sumiu, uma metáfora pouco sutil para aquilo que cada um dos personagens adultos guarda dentro de si ("o estranho é que não conhecemos realmente nossos pais, não sabemos nada de como eles eram antes", lamenta Martha, irmã de Mikkel, em um dos episódios mais reveladores).

A sacada do criador da série, Baran bo Odar, e o que traz à trama elementos de surpresa bem mais sofisticados do que os pares do gênero é que os laços de tempo aqui são metafóricos mas também físicos.

Sim, os dez episódios exigirão atenção. Mas são, como raramente se pode dizer hoje, compensadores.

Os dez episódios de "Dark", de 45 minutos, estão disponíveis na Netflix.


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