Folha de S. Paulo


Comédia de roteirista de 'Office', 'The Good Place' mostra paraíso que dá pau

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Kristen Bell, William Jackson Harper e Ted Danson em cena da série
Kristen Bell, William Jackson Harper e Ted Danson em cena da série

Não parece à primeira vista, mas há conforto no caos proposto por "The Good Place", série aqui exibida pela "Netflix" estrelada por Kristen Bell ("Veronica Mars") e Ted Danson ("Cheers", "CSI") que joga com o absurdo para tecer um crítica mordaz da sociedade americana ao desenhar um paraíso onde as coisas não funcionam tão bem assim.

Com algoritmos operando ininterruptamente para mapear nossas vontades, afinal, faz bem à saúde mental ver uma comédia cutucar nossa vida cheia de parâmetros e mostrar que quase sempre cálculos minuciosos terão resultado bizarro.

Quem aprecia "The Office" (2005-13) e "Parks and Recreation" (2009-15) vai reconhecer a mão de Michael Schur, roteirista das duas e ator ocasional da primeira (era ele o estranho primo Moses de Dwight).

Como as demais, "The Good Place" é produzida nos EUA pelo canal NBC e está no meio da segunda temporada (na Netflix ela chegou sem alarde em 21 de setembro, com o primeiro ano todo no ar e o segundo no compasso da exibição americana).

Pois Schur agora volta com uma espécie de versão em teste beta do paraíso, o "bom lugar" do título.

Michael, o anjo-gestor vivido por Danson, é um burocrata pusilânime que bem poderia habitar uma das outras obras do roteirista, idealista como a Leslie de "Parks" e inepto como o Michael de "The Office".

Sua mais nova tutelada, Eleanor (Bell), está ali por erro do mecanismo de seleção, que atribui pontos a cada ação terrena (é de Schur, aliás, o roteiro de "Nosedive", primeiro e genial episódio da temporada mais recente de "Black Mirror" ).

Embora todos no Lugar Bom pareçam ter garantido seus pontos com feitos louváveis em vida, o efeito de suas boas ações ou a motivação para elas é algo por responder.

Há, por exemplo, a milionária de origem paquistanesa criada em Londres Tahani (Jameela Jamil), cujo propósito maior para organizar eventos beneficentes era superar a irmã genial. Ou o professor de ética nigeriano formado em Paris Chidi (William Jackson Harper), cuja grande obra é um livro impossível de ler até para um ser divino.

É Chidi o melhor personagem, o parceiro designado para Eleanor que terá que ajudá-la a se aprimorar (ela foi, na melhor das hipóteses, egoísta em vida), mas ao mesmo tempo se verá obrigado a burlar o sistema, um desafio à sua ética.

A série tampouco deixa de tocar na nossa obsessão por tecnologia e autômatos, presenteando-nos com Janet (D'Arcy Carden), a auxiliar de Michael que parece uma versão celestial da Siri criada por Steve Jobs.

Há humor velado com um segmento da população que muitos vamos reconhecer, aquele que abraça causas humanitárias e ambientais apenas porque tem tempo e dinheiro para fazê-lo e porque pega bem –desde que não precise dedicar a elas um grande entendimento.

Não à toa o "bom lugar" desta comédia é diverso em etnia e gênero, mas só os abastados de cada tribo chegam lá. A tal meritocracia, parece, tem seus bugs e subversões.

Os 20 primeiros episódios de "The Good Place" estão na Netflix; a série será retomada em 2018


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