Folha de S. Paulo


Criador de 'The Wire' mergulha na Nova York setentista em 'The Deuce'

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Maggie Gyllenhaal em cena da série 'The Deuce', da HBO
Maggie Gyllenhaal em cena da série 'The Deuce', da HBO

Você pode chegar a "The Deuce", que a HBO estreia neste domingo (17), por causa de James Franco, na série duplicado como os gêmeos Vincent e Frankie. Mas é Maggie Gyllenhaal a força por trás deste drama passado na Nova York dos anos 1970, antes da epidemia de Aids, quando a prostituição tomava as ruas e a indústria pornô aflorava.

A série já seria uma aposta promissora apenas por ter saído da cabeça de David Simon e George Pelecanos. Os dois trouxeram ao mundo a cultuada "The Wire" (ou "A Escuta", 2002-08), que também tinha como cenário um submundo das ruas, o de Baltimore, cidade a 40 minutos de Washington conhecida pela mortandade em decorrência das drogas.

Os dois gostam mesmo é das dificuldades da vida, mas sem melodrama –é da dupla também "Treme", sobre a New Orleans pós-furacão Katrina (o nome homenageia um dos bairros boêmios da cidade).

Portanto, não há como se espantar com a coleção de personagens párias reunidos em "The Deuce": prostitutas de segundo escalão, trambiqueiros, cafetões, espancadores de mulheres, corruptos, exploradores em geral e pobres-diabos que buscam no sexo pago um refúgio. Esse elenco de apoio, aliás, é em grande parte entregue a atores que trabalharam em "The Wire".

Franco é um ator competente, mas seria preciso um pouco mais de elasticidade no repertório para compor com os gêmeos protagonistas com nuances suficientes para torná-los críveis e distintos, a julgar pelos 85 minutos da première da série.

Vincent é o que arregaça as mangas e se vira, ainda que longe de ser um modelo de comportamento; é o pragmático que tenta. Frankie é um vigarista cuja vida balança de acordo com sua sorte no jogo.

(Para o espectador, é tão fácil tomar um pelo outro como é para os demais personagens, mas as cenas em que eles interagem oferecem algumas risadas em compensação.)

Já Gyllenhaal, como Eileen/Candy, uma prostituta sem cafetão, parece ter encontrado seu melhor papel –o que não é pouco, no caso: basta lembrar seu tour de force em "The Honourable Woman".

A melancolia e o cansaço com o mundo que ela imprime à personagem, ainda assim doce, ainda assim forte, é palpável. Não deu tempo para ela concorrer ao Emmy, mas pode se esperar seu nome em 2018.

Com longos oito longos episódios (85 min) e núcleo de personagens coeso, "The Deuce" se apresenta com ares de minissérie, embora enseje mais temporadas e ouse ocupar o vazio na grade deixado por "Game of Thrones". Vista de relance, é uma prima-irmã da brasileira "Magnífica 70", embora sua lente recaia sobre os coitados e não sobre ricos perturbados.

A composição de época é delicada e rica, com espaço para os exageros de então sem torná-los caricatos. A fotografia escura e esmaecida, concebida por Pepe Avila del Pino e Vanja Cernjul remete aos filmes mais antigos de Scorcese, ainda que com alguns tons e decibéis a menos. É um arremate primoroso à história de Simon.


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