Folha de S. Paulo


Episódio desta noite terá de resgatar o que fez 'Game of Thrones' ser amada

Um meme que circula nesta semana resume o sentimento de muitos críticos e fãs em relação à atual temporada de "Game of Thrones", a penúltima. Na capa de uma revista "Minha Novela", revelações sobre o fim da série da HBO, com concessões à torcida e soluções tão relapsas quanto surradas, algo até então incomum para o drama político-fantasioso.

Ao longo de seis temporadas, afinal, "Game of Thrones" construiu sua própria lógica narrativa, matando protagonistas e amarrando uma trama sobrenatural com um subtexto de intriga política que emocionava tanto ou mais do que as extasiantes cenas de batalha.

Nesse arcabouço narrativo era possível dar vida a dragões e ressuscitar mortos; mas as jornadas (literais e metafóricas) obrigatoriamente seriam lentas, labirínticas. A morte de uma criança queimada pelo fanatismo do próprio pai era aceitável; arrulhos amorosos, não.

Vimos estupros, incestos, castrações, mutilações; vimos ferver um caldo de mitologias até que se apurasse um folhetim vigoroso, com histórias pregressas tão elaboradas que os flashbacks muitas vezes foram a parte mais esperada dos episódios.

Até esta sétima temporada.

Foi então que as respostas entregues a conta-gotas, sobretudo porque estavam vinculadas aos livros escritos por George R. R. Martin, começaram a jorrar, sem depender da procrastinação criativa do escritor.

E aí as viagens vagarosas, com tempo para assimilarmos motivações e nuances de caráter dos personagens, viraram praticamente teletransporte; a intriga política sucumbiu ao romance barato e à aventura adolescente, ainda que hipnotizante, e a série-mais-baixada-de-todos-os-tempos, que nos fez assisti-la todos no mesmo momento em plena era do streaming, virou alvo de sua própria caminhada da vergonha.

Mas será que "Game of Thrones" virou mesmo uma historinha apressada com cenas que podiam ter sido escritas por fãs com pouco repertório? Ou será que Martin –que avaliza a adaptação televisiva– e os produtores DB Weiss e David Benioff apenas fizeram um agrado aos fãs?

A ligeireza dos últimos episódios pode ser perdoada se o caso for este último –o que parece ser, com direito até a Jon Snow (Kit Harington) chamando Daenerys (Emilia Clarke) de "Dany", como resenhistas e fãs.

É difícil acreditar que personagens densos como Tyrion (Peter Dinklage) e Cersei (Lena Headey) tenham sido reduzidos a coadjuvantes; ou que as irmãs Stark, donas do arco narrativo mais humano e crescente, tenham virado rivaizinhas; ou que Jaime (Nikolaj Coster-Waldau), o personagem com mais nuances, tenha virado um bocó cumpre-ordens.

Weiss e Benioff têm o capítulo desta noite para entregar não desfechos simplistas e respostas maniqueístas, mas reticências –e intrigas, e mortes, e decepções, e tudo o que fez "Game of Thrones" arregimentar seu exército de admiradores –que nos levem até a derradeira temporada.


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