Quando "Mr. Robot" estreou, em junho de 2015, parecia um sopro de provocação em meio ao marasmo e à repetição das séries que tentam ser grandiosas. Um diretor novo, um ator ainda não tão conhecido, um tema quente (hackers), um dilema clássico de bem contra o mal e uma crítica social ácida.
Peter Kramer/USA Network/Divulgação | ||
Os atores Rami Malek (à esq.) e Christian Slater em cena da segunda temporada da série Mr. Robot |
A estética era elaborada, sem chamar atenção para si; os diálogos tinham fôlego e instigavam; a narrativa era segura e bem dimensionada. A temporada terminou num crescendo, com decibéis angustiantes, mas perfeitamente colocados como respostas a perguntas postas ao longo dos dez episódios.
"Mr. Robot" voltou no mês passado, mas as qualidades que fizeram dela uma das melhores séries do ano —talvez a melhor— parecem ter turvado o rumo do escritor/diretor/produtor Sam Esmail.
Os três primeiros episódios da nova leva sobre o time de hackers que tenta purificar o mundo do capitalismo jogam no liquidificador delírios de diretores como David Lynch, Quentin Tarantino e Danny Boyle em quantidades desmedidas para simular a paranoia em que se encastelou o protagonista, Elliot (Rami Malek continua excelente).
Só no quarto capítulo essa poeira começa a baixar para revelar o que pode ser um truque genial ou um grande embuste.
No novo ano, a fsociety, o ciberexército de Brancaleone montado por Elliot, celebra os resultados de seu projeto para o colapso mundial, e vilões antigos e novos saem das sombras. O capitalismo, alvo pueril da primeira temporada, não é mais o único grande mal; a própria ambição daqueles que se veem como heróis também se mostra daninha.
Nesse ponto, o dilema se sofistica, com a linha entre certo e errado borrada e portas interessantes abertas por novos personagens, como o à primeira vista insípido Ray (Craig Robinson, de "The Office"), um vilão menos caricaturesco do que o CEO Philip Price (Michael Cristofer) e o executivo Tyrrell Wellick (Martin Wallström).
As personagens femininas —Darlene (Carly Chaikin), Angela (Portia Doubleday) e agora a detetive Dominique (Grace Gummer, filha de Meryl Streep)— ganham dimensões, e a entrada da polícia na história, mais um e outro cadáver, acrescentam suspense.
Esmail parece tão convicto de sua (suposta) genialidade que por vezes a história patina sobre a doença de Elliot. E o fato de o narrador da série ser um personagem alucinado, com sua voz monocórdica e infinitas perguntas nos obriga a patinar com ele, indo e vindo em lembranças que ajudam a compor a trama e a prender o espectador em suas angústias.
A desconstrução que Esmail conduz, afinal, é tão ousada e anárquica quanto a grande missão de seu herói. Para o sucesso, porém, é preciso sobreviver à overdose.
'Mr. Robot' é exibida pelo Space às quintas, 23h20, e está disponível on-line para assinantes