Folha de S. Paulo


Com 'Tá no Ar', Adnet e Melhem levantam QI do humor brasileiro

Pode ser uma daquelas avaliações "definitivas" das quais a gente se arrepende no futuro, mas neste momento pode-se dizer que nenhum humorista fez tamanho bem ao humor televisivo brasileiro nos últimos 20 anos como Marcelo Adnet, Marcius Melhem e seu "Tá no Ar".

Ênfase em "televisivo", porque a turma do "Porta dos Fundos" ainda tem como habitat mais natural a internet, e nos 20 anos, pois em 1994 surgia o "Casseta e Planeta".

Estevam Avellar/Divulgação/TV Globo
Imagens da terceira temporada de
Marcius Melhem e Marcelo Adnet contracenam no "Tá no Ar" (Globo), exibido no fim das noites de terça

Desde então, sobretudo na TV convencional, tudo que devia ser graça virou marasmo e repetição.

Houve investidas, muitas inspiradas em modelos estrangeiros, há reencarnações, pouco inventivas, e raras séries cômicas de boa qualidade que mereceram atenção, como "Os Normais" (2001-03) e a "Grande Família" (2001-14).

Nenhuma delas, porém, foi capaz de provocar a um só tempo gargalhadas histéricas, reflexão e rápida disseminação como os esquetes da dupla Adnet-Melhem.

O programa chegou com uma volúpia tão grande à Globo ano retrasado que era difícil crer que a energia duraria dentro dos parâmetros convencionais da emissora. Mas durou, e só cresce -não só na TV como on-line, completamente adaptada à plataforma de perpetuação selvagem que são as redes sociais.

Em entrevista recente à rádio Jovem Pan, o veterano diretor da Globo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ou Boni, disse que as piadas de Adnet são incompreensíveis para 90% das pessoas. A declaração repercutiu, entre aplausos e críticas.

Antes de achar que Boni está certo ou errado, é preciso entender qual o público do "Tá no Ar". Pela composição do programa, um misto de esquetes sobre TV, política e comportamento cujo estofo principal é o noticiário e a cultura pop, seria o jovem ou adulto (18 a 45), escolarizado, em sintonia com o que acontece dia a dia no mundo.

É um público muito similar ao do "Daily Show", nos EUA, consagrado por Jon Stewart, que fez sucesso em um canal relativamente pequeno graças à amplificação possibilitada pela internet. É gente que aprendeu a apreciar o humor de séries e talk shows americanos porque referências ousadas faltavam aqui.

Só nas últimas semanas, as piadas da Adnet e Melhem variaram da rixa entre a direita brasileira (e seus estereótipos) e o cantor Chico Buarque, em paródias capazes de arrancar risadas de todo o espectro político, brincadeiras com o excesso de nomes da série "Game of Thrones" (série de canal pago) e uma animação com um personagem infantil apregoando -corretamente e sem ofensas- informações sobre o islã.

Não é um prato típico. E esse ganho em qualidade e entretenimento não passou incólume.

Da primeira temporada para esta, a audiência segundo o Ibope subiu 35%, para 13 pontos, em São Paulo (cada ponto representa 197,8 mil espectadores, o que dá quase 2,6 milhões de pessoas ligadas no fim da noite de um dia útil, terça, só na cidade).

Será que ninguém riu?


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