Folha de S. Paulo


'Late Show' com Colbert se perde entre Letterman e alter ego do apresentador

Stephen Colbert tinha duas lendas a superar quando subiu ao palco do histórico teatro Ed Sullivan, em Nova York, para estrear no comando do "Late Show" que agora leva seu nome, na última terça (8).

A primeira era David Letterman, que foi por 33 anos o titular do mais importante talk-show noturno dos EUA. A segunda era Colbert mesmo —ou o personagem que ele criou.

Saiu-se com desempenho mediano das duas tarefas, mas deu vislumbres de que pode melhorar.

Alguém que olhe apenas os números vai se impressionar. Colbert atraiu 6,6 milhões de telespectadores na estreia, ou 12% dos lares americanos, segundo o instituto Nielsen.

É o dobro da estreia da temporada de 2014, a última de Letterman; é mais que o dobro dos rivais Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel; é 164% acima da audiência do episódio final de seu programa pregresso, o "Colbert Report", no Comedy Central.

Na noite seguinte, porém, a audiência caiu para 3,6 milhões, segundo o mesmo Nielsen — abaixo da de Fallon. Na quinta-feira, ficou em 3,9 milhões.

O que os dados da estreia revelam é expectativa, e eis aí o terceiro gigante a enfrentar (a julgar pelos números dos dias subsequentes, a batalha tem sido inglória).

Talvez por causa dela, o Colbert do "Late Show" soa muito menos refinado que Letterman e bem menos engraçado do que o alter ego conservador que ele apresentava no "Colbert Report".

Uma curiosidade do público, afinal, era saber como o comediante que encarnou um apresentador de ultradireita com vigor a ponto de ter o nome cogitado para disputar a Casa Branca em 2012 iria se portar quando tivesse que fazer entrevistas sem atuar, como ele mesmo.

O resultado foi um tanto decepcionante, e a comparação dupla inevitável. Faltou-lhe o repertório e a classe de Letterman, e faltaram-lhe as estripulias que lhe eram permitidas no Comedy Central.

A CBS, que exibe seu novo programa, é uma grande rede aberta, com limites tradicionais. O momento mais ousado foi uma piada com os patrocinadores, a quem o apresentador disse ter vendido a alma.

O que se viu na entrevista com Jeb Bush, o ex-governador da Flórida que quer disputar a Presidência dos EUA no ano que vem, foi uma versão opaca das entrevistas de Jon Stewart, ex-chefe e mentor de Colbert (o amor é tanto que houve até participação especial do amigo no patriótico clipe de abertura).

Sua melhor tirada foi tentar fazer o político criticar o irmão ex-presidente por suas posições políticas -Jeb contornou reclamando do deficit deixado por George W..

Já a entrevista inaugural, com o ator George Clooney, perdeu-se entre piadas inócuas e sem novidade.

Por causa da persona que Colbert criou, o programa ainda é autorreferente (ainda que troce disso, haja vista a ilustração do teto do teatro que simulava vitrais com seu rosto).

Na segunda noite, as estrelas eram a atriz Scarlett Johansson e o empresário Elon Musk (da Tesla), o que deixa claro o que a CBS cobiça: jovens. Difícil crer que esse público ainda queira ver TV convencional.


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