Folha de S. Paulo


Bolsa pescador?

O aumento das despesas com o seguro-desemprego na categoria pescador-artesanal subiu 2.220% na última década. De R$ 81,5 milhões, os gastos com essa rubrica passaram a R$ 1,89 bilhão no ano passado. O seguro-desemprego do trabalhador formal no mesmo período subiu 357%, de acordo com um estudo do corpo técnico da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Um dos principais fatores para o aumento do pagamento do seguro-desemprego é a paulatina formalização do mercado de trabalho –sem dúvida, um dos méritos dos governos do ex-presidente Lula e de sua sucessora, Dilma Rousseff. Com mais pessoas trabalhando com carteira assinada, maior o volume do abono quando deixam seus empregos.

Nos últimos anos, contudo, uma equação tem deixado os economistas de orelha em pé. O nível de desemprego tem se mantido estável, em torno de 5%. Já o pagamento do seguro-desemprego tem subido ano a ano. De R$ 25,7 bilhões em 2012, essa despesa, em termos nominais (sem contar o efeito da inflação), passou para R$ 29,94 bilhões no ano passado. Como isso é possível? Pela lógica, as duas contas, seguro-desemprego e desemprego, teriam de andar juntas, certo?

Uma das razões para o descasamento é a fraude. Em muitos setores da economia, com condição de pleno emprego, o trabalhador pede demissão, recebe o seguro e passa a trabalhar informalmente, sem carteira assinada, em outra empresa, enquanto o benefício perdurar. Essa é uma fraude difícil de o governo detectar e coibir.

Agora, e um aumento de 2.220%? O Tribunal de Contas da União investigou o assunto e apontou várias explicações. A primeira razão é um aumento legal no número de pescadores cadastrados no RGP (Registro Geral de Atividade Pesqueira). A segunda, ainda no campo da lei, o aumento do salário mínimo. A terceira, também entre os fatores positivos, está a definição abrangente de áreas e períodos de defeso, quando não se pode pescar para permitir a procriação adequada das espécies.

A partir daí o que o TCU viu foram fraudes em cima de fraudes, como pescadores fantasmas recebendo o benefício e inúmeras pessoas cadastradas no RGP que nunca exerceram a pesca. Esses casos são muito mais fáceis de serem coibidos. Por que o governo não fiscaliza e estabelece melhores mecanismos de controle desses benefícios? Não estará contida na frouxidão um desejo deliberado de ampliar o escopo do paternalismo do Estado brasileiro? Estamos diante de um "bolsa pescador"? Ou será coisa pior?


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