Folha de S. Paulo


Wi-fi e os cubanos

A relação de Cuba com a internet tem sido turbulenta.

Durante anos demais, dificuldades de caráter tecnológico –a impossibilidade de ter acesso a uma conexão a cabo, quase todas pertencentes a empresas norte-americanas– reduziram a comunicação à via de satélite e tornaram limitado e lento o trânsito por essa rota que, ainda hoje, é a que utilizamos a maioria dos usuários do país.

Mais tarde, quando finalmente se concretizou a conexão de banda larga com o cabo estendido a partir da Venezuela, problemas ao que parece também técnicos e possivelmente de outra espécie que nunca conhecemos atrasaram a viabilização do acesso a essa rodovia, muito mais veloz e eficiente. Mas, quando o cabo finalmente ficou operacional, os problemas passaram a ser a infraestrutura de comunicações da ilha, bastante rudimentar, segundo se disse, e necessitada de grandes investimentos para ser modernizada.

A política governamental referente ao acesso à rede seguiu um caminho paralelo, se bem que em certa medida dependente dessas agruras técnicas. Durante anos –desde meados da década de 1990–, contas de correio eletrônico (apenas correio eletrônico) foram disponibilizadas a usuários vinculados a certas instâncias administrativas ou sociais e, em casos específicos, também foi disponibilizado para eles o acesso à internet, com a lentidão e as dificuldades já mencionadas.

O preço desse serviço, embora elevado para um salário médio cubano, mostrou-se acessível à maioria dos beneficiados e foi a tábua de salvação de muitos dos que vivemos na ilha. Como alternativa, em determinadas instituições, as pessoas que não podiam acessar seus e-mails em suas casas conseguiam rever suas contas e, por vezes, chegar à rede.

Nos últimos tempos, o Ministério de Informática e Comunicações cubano iniciou uma política de ampliação dos serviços de internet e correio eletrônico para a população, mediante o acesso ao correio eletrônico a partir de celulares e da abertura de salas de navegação, que, em um primeiro momento, fixaram o preço da conexão em US$ 5 a hora –ou seja, cem pesos cubanos, em um país onde o salário médio é de 500 pesos. Recentemente, com uma tarifa menor –cerca de 50 pesos por hora–, foram abertos em várias localidades do país 35 pontos de acesso à conexão wi-fi, dos quais se servem um número notável de pessoas, apesar de o preço continuar alto para os padrões da ilha.

Enquanto essas últimas medidas foram sendo implementadas, chegaram novas oportunidades com a recuperação das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos e a possibilidade de que empresas de telecomunicações dos EUA fechem acordos com a ilha vizinha.

Empresas como a Netflix e, sobretudo, o Google demonstraram interesse em ter acesso ao mercado cubano. Consta inclusive que o Google teria oferecido conexão wi-fi gratuita para os internautas cubanos, opção essa que não se concretizou.

Além das limitações tecnológicas citadas e das soluções oferecidas, os espaços de acesso à rede têm sido marcados por um matiz político.

A livre conexão vem sendo controlada e retardada no país, talvez como forma de controle da informação, mas provocando resultados intelectuais e práticos que podem ter custo muito mais alto.

Com o alto nível educacional da população cubana, sua capacidade de aproveitamento das possibilidades que a internet oferece para o conhecimento e a vida cotidiana é muito limitada e, em termos tecnológicos e históricos, poderíamos dizer que nos insere no século 20.

O recém-criado acesso ao wi-fi em zonas específicas provocou uma avalanche de usuários, não obstante o custo da conexão. Talvez o lugar mais disputado seja a rua 23, no centro de Havana, a chamada Rampa, onde é possível ver dezenas de pessoas sobre degraus, muros (ou encostadas neles), conectadas com seus telefones, aparelhos portáteis e tablets.

Elas usam seus equipamentos rapidamente; percebe-se que estão ansiosas, que medem o tempo, embora em muitos casos ao final pareçam estar felizes: conseguiram comunicar-se com seus familiares no exterior, atualizaram suas páginas no Facebook, baixaram uma informação ou entraram em um site cubano de anúncios e já sabem onde comprar um disco rígido para arrumar seu computador velho.

Alguma coisa é alguma coisa, nós, cubanos, costumamos dizer.


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