Folha de S. Paulo


Doria, repita comigo: ônibus, ônibus, ônibus

Entre tantos problemas neste início de ano, uma boa notícia foi o custo do congelamento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo: R$ 400 milhões, anunciou a administração municipal ao concluir o cálculo da despesa de manter o preço do Bilhete Único até o fim de 2017.

Se você se lembra, a administração Haddad, a Câmara Municipal e outros descontentes anunciaram que a promessa, feita pelo prefeito Doria logo após a eleição, custaria entre R$ 1 bi e R$ 1,2 bilhão. Bem menor, o valor anunciado é metade da economia que pode ser obtida com a eliminação de cobradores.

Há muitos interesses contrariados pela manutenção da tarifa de ônibus de São Paulo: do PT (gostaria que Haddad tivesse congelado a tarifa, mas ele não o fez); outros prefeitos da Região Metropolitana (cujo assalto ao contribuinte fica evidente quando a maior cidade tem a menor tarifa); empresários que exploram ônibus nas cidades onde não há subsídio à passagem (temem congelamentos semelhantes); e o sempre biruta Movimento Passe Livre (ataca a administração que congela tarifa e preserva as que aumentam, mesmo de esquerda); entre outros que pouco se lixam com o usuário de transportes públicos.

Há ainda o Poder Judiciário, que invade competências do Executivo em busca de "proatividade": se uma medida oriunda dos executivos municipal e estadual criou, em 2005, o desconto para a integração ônibus-metrô, é uma aberração o Tribunal de Justiça vetar a redução desse benefício. É evidente que a medida do TJ tem mais a ver com egos do que com Justiça.

De todas as missões da administração paulistana, nada é tão essencial ou urgente quanto os transportes públicos. As prioridades da administração Doria devem ser: ônibus, ônibus e ônibus, "não necessariamente nessa ordem" (como gostam de brincar os jornalistas)... Cidade Linda, velocidade nas Marginais, paletó sem gravata e horário de entrada de funcionários são factoides para encher o noticiário até a equipe pegar pé da administração. Mas o gestor tem que focar logo a tropa na direção certa. E o norte se chama: ônibus.

As urgências:

1) há uma licitação em curso, iniciada por Haddad, para implantar uma nova rede com novidades boas, mas também vários problemas, como o tempo de vigência (20 anos renováveis por mais 20), que o TCM (Tribunal de Contas do Município) exige reduzir. Doria deve resolver logo os defeitos para liberar a licitação, reduzir custos e melhorar a qualidade do sistema;

2) em seguida deve se dedicar a acelerar a implantação de corredores de ônibus, que têm uma evolução sempre lenta nesta cidade. O prefeito Haddad, que prometeu inaugurar 150 km, terminou o mandato com cerca de 35 km, iniciados pelo antecessor, Gilberto Kassab. Os processos travaram na resistência de comerciantes e moradores, em problemas com desapropriações e questionamentos do TCM. A Prefeitura precisa garantir um fluxo mais rápido para esses projetos para melhorar o desempenho dos coletivos e reduzir custos (ônibus mais velozes permitem a redução de veículos sem prejuízo para o usuário).

3) Eliminação dos cobradores: como jabuticaba, essa função só existe no Brasil; no resto do mundo, a tecnologia tornou desnecessária, como ascensoristas e telefonistas. O custo desses funcionários é cerca de R$ 800 milhões/ano, duas vezes o do congelamento.

Por fim, o novo prefeito poderá adotar uma medida de impacto, que depende de extrema ousadia política: o pedágio urbano, sempre impopular no início (os usuários de carros se sentem lesados e esperneiam). A receita deve ser usada integralmente para subsidiar o Bilhete Único e aumentar a rede de transportes públicos. A zona pedagiada pode ser o centro expandido, onde vigora o rodízio de placas: quem quiser rodar com carro nessa área pagará uma taxa, bem cara. Em um ano, a redução do congestionamento e o investimento em transporte público devem tornar a medida popular, com a melhoria do trânsito e da qualidade do ar, criando consciência pública das vantagens do transporte coletivo para a cidade e seus moradores.

Com essas medidas, em pouco tempo a cidade deve ter, realmente, uma mobilidade digna de Primeiro Mundo, como São Paulo gosta de ser.


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