Folha de S. Paulo


Um paradoxo heterodoxo

O editorial desta Folha de terça-feira (15) intitulado "Paradoxo Econômico" apresentou o que seria uma grande contradição na conjuntura brasileira atual. A combinação entre recessão profunda e valorização do real e da Bovespa só poderia ser explicada pelas expectativas favoráveis do mercado quanto a uma eventual queda da presidente Dilma Rousseff.

Tal comportamento sinalizaria ainda que a mudança de expectativas dos agentes econômicos em caso de derrubada da presidente eleita seria capaz de destravar decisões de investimento e de consumo, puxando assim o crescimento.

A relação entre preços de ativos financeiros e economia real é assunto de grande interesse para a macroeconomia. Por um lado, é evidente que crises financeiras de altas proporções podem levar à recessão e ao desemprego. Por outro lado, os agentes do mercado respondem pouco aos chamados fundamentos macroeconômicos e muito à expectativa sobre o que farão os demais agentes. Tal conduta leva à ocorrência de profecias autorrealizáveis e bolhas financeiras que em nada têm a ver com crescimento econômico e, menos ainda, com o bem-estar da população.

Por essa razão, os resultados de pesquisas empíricas vão cada vez mais no sentido de contraindicar o uso de índices do mercado financeiro nas previsões sobre o desempenho da economia real, e vice-versa.

No caso brasileiro, entre 1996 e 2015, a correlação entre as variações trimestrais no Ibovespa e no PIB real é negativa, de menos 14,7%, sugerindo que o paradoxo econômico descoberto pelo editorial é muito mais corriqueiro do que sugerido no texto.

Há no Brasil, no entanto, uma variável que explica grande parte dos movimentos na Bolsa de Valores, no mercado de câmbio e, em um prazo mais longo, no próprio PIB. E não se trata de variável interna, como as manchetes sobre depoimentos do ex-presidente Lula, sua nomeação para chefe do governo, queda eventual da presidente Dilma Rousseff ou do presidente do Banco Central.

Ainda que tais notícias possam suscitar reações de manada ao longo do dia, as tendências de valorização ou desvalorização do real e do Ibovespa ainda são muito explicadas pelos preços das chamadas commodities no mercado internacional, tais como o petróleo e o minério de ferro.

A elevação desses preços nas últimas semanas levou à valorização das principais moedas emergentes, entre as quais a brasileira. Já na terça-feira, a queda nesses preços trouxe consigo a valorização do dólar em relação a esse conjunto de moedas e ao real, o que, ouso afirmar, ocorreria com ou sem delação de Delcídio do Amaral.

Pior do que a atribuição exagerada de fatores internos –sobretudo políticos– a esses movimentos em meio a um contexto de liberalização financeira global é a associação direta entre otimismo dos mercados e a retomada da economia.

No cenário de depressão e capacidade ociosa tão bem identificado no editorial em questão, as expectativas relevantes para a volta do investimento na ampliação de capacidade produtiva teriam de estar associadas a uma perspectiva concreta de crescimento da demanda. Tal reversão de expectativas exige muito mais que uma mera aposta generalizada na compra de ativos financeiros, que sempre beneficiou sobretudo a nossa pequena e influente população de detentores de riqueza.


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