Folha de S. Paulo


As piruetas de Cardozo

Na entrevista que concedeu a esta Folha nesta segunda (4), José Eduardo Cardozo demonstrou ser uma versão bem articulada e mais ensaboada de Dilma Rousseff. A pose de quem parece saber do que está falando e as frases com sujeito e predicado até ajudam, mas é inevitável notar que as baboseiras são as mesmas.

Cardozo, que, nos últimos meses, bateu recorde de pedidos indeferidos pelo STF, já começou a entrevista se enrolando. De acordo com o ex-ministro, a perícia prova que não houve dolo de Dilma nos decretos de suplementação orçamentária que não foram submetidos ao Congresso. Confrontado com o fato de que não é objeto da perícia avaliar dolo, Cardozo respondeu que essa é sua interpretação e que "é impossível dizer o oposto".

Apesar da prepotência do advogado petista, é possível, sim, dizer o oposto. Mas isso não importa. E ele sabe disso. Quando os entrevistadores afirmaram que os senadores que votarão a favor do afastamento definitivo de Dilma dirão que houve culpa, Cardozo respondeu que "está claro que não houve dolo". A questão é que ela pode ser punida tanto por ação como por omissão, ou seja, não é preciso haver dolo, apenas culpa. E é por isso que o ex-ministro recorreu a esta verdadeira "pirueta retórica": se negasse a culpa, estaria mentindo descaradamente; se a admitisse, estaria condenando a sua cliente.
 
Quando o laudo pericial se coloca claramente contra a tese defendida por Cardozo - como o faz no caso da fraude fiscal -, o advogado opta por atacar os peritos em vez de esclarecer os fatos. "Com todo o respeito, os auditores não são juristas, apenas seguiram a opinião do Tribunal de Contas da União", disse o ex-ministro. Ora, se o laudo pericial dos auditores é válido para "provar" que não há dolo, por que o mesmo não valeria para atestar que houve fraude fiscal? Mais uma pirueta estabanada de Cardozo.
 
Questionado se o avanço do processo também seria resultado dos graves erros políticos e econômicos do governo Dilma, Cardozo respondeu que "o momento de decidir se houve acertos ou erro é nas eleições". Ou seja, para ele, vitória nas urnas significa carta branca para afundar o país.
 
O advogado petista preferiu ignorar o fato de que o impeachment não é um mero processo jurídico, mas um processo político que exige base jurídica. É um dos mecanismos que garantem que os Três Poderes sejam independentes e harmônicos. Por isso, o julgamento não acontece no STF, como seria caso se tratasse de crime comum.
 
Deixando o falso amor pela letra da lei de lado, Cardozo opinou sobre a influência do desempenho do governo Temer no processo de impeachment. Para ele, "a proposta do governo Temer é radicalmente contrária ao que foi aprovado nas urnas". Isso vindo de alguém que fez parte do governo que levou à frente o maior estelionato eleitoral da história da política brasileira é, no mínimo, engraçado.
 
Não me lembrava que cortes na saúde e na educação, inflação de dois dígitos, aumento de juros, recordes nos índices de desemprego e corrupção institucionalizada estavam entre as propostas defendidas pelo PT. Será que foi esse o tal programa aprovado nas urnas?
 
Apesar da pose de autoridade e da fala bonita, Cardozo é só mais um aproveitador que vive de vender interpretações distorcidas da lei e dos fatos para fazer militância política. Sempre que tem de lidar com eles, dá piruetas retóricas para fugir da situação. Cardozo está para o Direito como Dilma está para a gestão. Governo falido, defesa falida.


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