Folha de S. Paulo


Michel Temer e o recado das ruas

Michel Temer, que ainda não assumiu, pode cometer erros graves na composição de seu futuro governo. Começou prometendo corte de ministérios e indicação de nomes técnicos para os que restarem. Aos poucos, a promessa de corte foi sumindo, e a politicagem foi tomando conta das conversas. Agora, ele sinaliza uma reaproximação com a proposta inicial, mas os rumos de seu futuro governo ainda estão longe de serem claros. Talvez o vice não tenha entendido o que está levando Dilma Rousseff ao abismo.

Durante mais de um ano, o povo brasileiro lotou ruas de todos os Estados da federação e do Distrito Federal nas maiores manifestações da história do país. É evidente que muito de toda essa indignação se deveu aos escândalos de corrupção, gravíssimos não apenas em razão do volume de recursos saqueados, mas também do ataque às instituições democráticas. Ocorre que o descontentamento não acaba por aí. Ele também se deu por causa de práticas nefastas, como o loteamento de ministérios e a desastrosa política econômica.

Ao nomear Joaquim Levy para a Fazenda, Dilma flertou com o mercado, que caiu na conversa de que as contas seriam acertadas e de que o Brasil voltaria a crescer. Puro engano. O peso do nome de Levy não passou de... um nome. A gestão perdulária e irresponsável continuou, e o país afundou ainda mais. O governo podou Levy, e o PT o transformou em inimigo. Nessa guerra, quem perdeu foi o brasileiro, que viu disparar a inflação e o desemprego.

Com o programa "Uma Ponte para o Futuro" e a provável liberdade que Henrique Meirelles terá na Fazenda, o governo Temer dá bons sinais para a economia. O mesmo não se pode dizer para outras áreas. Um dos nomes cogitados para o Ministério da Justiça, por exemplo, era o do criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que, na primeira oportunidade de falar como possível futuro ministro, criticou o instrumento da delação premiada, sem o qual a Operação Lava Jato não teria avançado. Temer recuou, mas o simples fato de ter cogitado alguém crítico à operação para compor seu governo já é preocupante.

Para obter todo o apoio da bancada do PMDB, Temer tende a ceder, obviamente, ministérios para o partido. Um deles, o dos Esportes, pode ir para o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), que, como se sabe, foi um dos principais defensores do governo Dilma na Câmara. Disse "não" ao impeachment alegando ter "jurado cumprir a Constituição", dando a entender que o processo é inconstitucional. Ora, se é assim, por que aceitaria fazer parte de um governo que, a seu ver, não tem legitimidade? Seria Picciani um golpista assumido?

É claro que Temer precisará de apoio no Congresso para levar à frente as reformas estruturantes das quais o país tanto precisa. Mas isso não pode ser feito à moda petista, transformando a República num balcão de negócios. Além disso, não basta ter uma maioria esmagadora no Congresso se o governo não definir suas prioridades, cortando ministérios inúteis e tendo nomes qualificados para ocupá-los.

O que levou a população a exigir o impeachment de uma presidente da República não foi apenas o descontentamento com os crimes cometidos. Boa parte da revolta também passa pela rejeição a práticas que são legais, embora imorais e prejudiciais ao futuro do país.

Michel Temer tem de entender que a população não tomou as ruas para derrubar uma pessoa ou um partido, mas para acabar com um método de governo.


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