Folha de S. Paulo


Camões vive

Assisti à aula inaugural do professor Philip Rothwell esta semana. Ele é o novo titular da cátedra Dom João II de português na Universidade de Oxford, que honra o rei de Portugal de mesmo nome.

Seu amor pelo idioma e literatura portugueses começaram em Moçambique, aonde ele foi aos 18 anos de idade para ensinar aritmética. Mais tarde, lecionou literatura portuguesa por mais de uma década na Universidade Rutgers, em Nova Jersey, EUA.

A aula inaugural levava o título "por que Camões ainda importa: cópias à procura de originais". Multifacetada, multinacional, estruturada com elegância, a aula contemplava, de Portugal, tanto o império perdido português quanto a Europa à qual o país vive hoje incorporado de maneira desconfortável e imperfeita.

Luís Vaz de Camões (1524-1580) é o maior poeta português, autor de "Os Lusíadas". É comum alegar que seu maior épico é o epítome da aventura imperial portuguesa. Mas Rothwell ofereceu uma notável (e subversiva) interrogação de Camões, examinando seu trabalho da perspectiva de quatro escritores portugueses que o sucederam ao longo dos séculos, entre os quais Fernando Pessoa e o romancista pós-imperialista Helder Macedo, mentor de Rothwell.

O diretor do St Peter's College, Mark Damazer, em discurso, mencionou o fato de que a aliança entre Portugal e a Inglaterra é a mais antiga do mundo, datando do Tratado de Windsor, de 1386. O que é verdade, até certo ponto.

O problema é que entre a data da morte de Camões, em 1580, e 1640, Portugal foi governado pelos Habsburgo da Espanha. A "Armada Espanhola", que Felipe 2º enviou para tentar derrotar a rainha inglesa Elizabeth 1ª, zarpou de Lisboa. A independência que Portugal recuperou da Espanha em 1640 contou com o apoio decisivo da "Commonwealth" de Oliver Cromwell e de sua marinha, no período em que a Inglaterra (bem como a Escócia e a Irlanda) foi governada como república, entre 1649 e 1660.

Os holandeses, entre 1581 e 1654, capturaram e retiveram boa parte do Nordeste brasileiro, bem como Angola. Os brasileiros, por iniciativa própria e às próprias custas, mobilizaram suas forças multirraciais e, com pouco apoio de Portugal, travaram uma série de batalhas contra os holandeses, retomando o Brasil para a monarquia independente que foi restabelecida em Portugal depois de 1640.

Isso também é parte da história de complexidades do império português, de seu legado e duradoura repercussão. Afinal, a língua de Camões prospera hoje como idioma mundial em larga medida porque 203 milhões de brasileiros a falam.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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