Folha de S. Paulo


Não é só o Brasil

Platão atribuiu a Sócrates as origens do "método socrático", sob o qual perguntas eram feitas não só para obter respostas, mas para encorajar percepções sobre assuntos em pauta. Sócrates foi sentenciado à morte por envenenamento. José Sócrates, 57, não é filósofo grego, mas sim o ex-primeiro ministro português detido na sexta-feira ao desembarcar em Lisboa, por suspeita de fraude tributária, lavagem de dinheiro e corrupção.

Sócrates foi primeiro-ministro pelo Partido Socialista entre 2005 e 2011. Resistiu a buscar assistência internacional durante a crise, até que o país se viu forçado a aceitar um resgate de 46 bilhões de euros pela União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, que requeria a imposição de severas medidas de austeridade. Em seguida foi derrotado na eleição geral convocada com curta antecedência, se afastou da política e se mudou para Paris. Não é a primeira vez que é acusado de transações escusas (quando era ministro do Meio Ambiente, construções foram autorizadas em terras protegidas, e também o acusam de aumentar suas credenciais universitárias).

Mas o que chocou os observadores foi que, pela primeira vez, um ex-primeiro ministro foi encarcerado. E isso após outros choques, como a detenção do diretor do serviço de imigração português, Manuel Palos, supostamente por ligação com a venda de "vistos dourados", que permitem a estrangeiros adquirir direito de residência em Portugal por 500 mil euros. Em seguida, o ministro do Interior renunciou. Tudo isso pode (ou não) estar relacionado ao colapso do maior conglomerado privado português, o Grupo Espírito Santo. Seu presidente, Ricardo Espírito Santo Salgado, foi detido por suposta fraude tributária e lavagem de dinheiro, mas libertado sob fiança de 3 milhões de euros.

O Banco Espírito Santo estava envolvido com Angola. Muito pouco acontece em Angola sem a participação de José Eduardo dos Santos, presidente desde 1979, e seus comparsas, especialmente sua filha mais velha, Isabel dos Santos, nascida no Azerbaijão, então parte da União Soviética. Tornou-se a mulher mais rica da África. Tem participações importantes em bancos e companhias de telecomunicações portuguesas e, em seu país, nos setores de petróleo, diamantes e bancos. Angola está entre os países mais corruptos do mundo. Em 2013, ocupou o 153º posto entre os 177 países do ranking de "percepção de corrupção" da Transparência Internacional. O Brasil, o 72º lugar, e Portugal, o 33º.

O problema de corrupção do Brasil certamente tem companhia "lusófona". Mas, como Portugal, o Brasil agora está (ao menos potencialmente) começando a fazer alguma coisa a respeito.


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