Folha de S. Paulo


Barafunda de informações

A imprensa passou sua primeira semana pós-URV sem conseguir explicar se os salários ganharam ou perderam na conversão pelo novo indexador. Os jornais também não se entenderam sobre o que aconteceu com os negócios: há quem dê manchete para a estabilidade do mercado, como fez "O Estado de S.Paulo" na edição de terça-feira, e quem aposte na paralisação preocupante da atividade econômica, como fez a Folha de quarta e de ontem. Se serve de consolo, economistas de bom calibre conservam as mesmas dúvidas até agora.

Os jornais também não conseguiram desenhar um cenário para o plano. Entre fazer futurologia barata e adotar um comportamento cauteloso, preferiram a segunda via. Não há previsões sequer para o final deste mês. Em compensação, não há também aquela euforia que sucedeu o Cruzado, ou aquele espanto que acompanhou o plano Collor em sua primeira versão. O país recebeu a URV em paz, mas ninguém sabe o que vai ser de todos nós quando chegarem os contracheques de março. Ou quanto vai ser a inflação da próxima semana. Ou quanto vai custar o feijão de amanhã. O país, é verdade, está acostumado a ter surpresas, mas a imprensa não fez qualquer esforço no sentido de torná-las menos surpreendentes quando chegarem. Olhou a URV, publicou guias para o leitor pagar as contas do dia-a-dia e ficou nisso. Lavou as mãos.

O que os jornais não conseguiram esconder foi a boa vontade com que receberam mais esta fase do plano FHC. A imprensa, sempre tão generosa com o ministro, reproduziu em manchetes sua aposta no plano. "FH prevê queda da inflação em maio", exagerou o carioca "O Globo" na edição de terça-feira, atribuindo ao ministro o compromisso de derrubar o famigerado índice quando a nova moeda, o real, entrar em circulação. "Preços abusivos começam a ser punidos", estampou o também carioca "Jornal do Brasil" na quinta, sem explicar o que são "abusivos" (um conceito, de resto, subjetivo demais para o jornalismo). O jornal também anunciou um velho filme: disse em sua primeira página que "a Sunab entra em campo em defesa da URV (com) fiscais em ação em todo o país".

O "Estado" de domingo passado já anunciava que "Estudo mostra queda de preços em URV", manchete ardilosa para a véspera do anúncio de um plano econômico. O jornal mostrava um estudo da Fipe revelando que, caso o indexador estivesse vigorando já em fevereiro, a inflação teria caído. Um exercício tão intrincado quanto inútil como manchete de jornal, mas eficiente como propaganda da URV.

A Folha foi mais fundo ainda. Publicou manchete na edição de sexta-feira com um enunciado daqueles que só o tempo vai confirmar -ou não. "FHC assume candidatura ao Planalto", escreveu o jornal. O ministro continua dizendo que não é candidato a nada (mas esse é o mesmo ministro que disse que os salários conservariam seus valores nominais e teriam conversão opcional pela URV). A rigor, a reportagem em que se apoiou a manchete da sexta-feira não permite a inferência de que ele "assume" a candidatura. Mas o jornal gosta de "furos", gosta de ousar e gosta de FHC. O ministro cresceu depois do anúncio da URV e é a mais forte opção anti-Lula do momento. Um momento que pode durar até outubro.

Enfim, foi uma semana em que a imprensa correu atrás das notícias, quaisquer que fossem, para se mostrar íntima do plano FHC. Publicar que as notas do novo real serão importadas, estampadas com a fauna brasileira ou trocadas todas num mesmo dia pelo surrado cruzeiro valeu quase tanto quanto mostrar o cálculo dos salários pela média ou a medida da inflação da semana em URV -com a diferença de que ninguém se entendeu sobre estes últimos. Ao leitor que se sente perdido no meio dessa barafunda de informações resta o alívio de perceber que ele não é o único desinformado do país.

Leitores do "Estado" foram desinformados pelo jornal na semana passada. Reportagem publicada na sexta-feira com o título "PT critica 'Estado' na televisão" comentava o programa gratuito do PT exibido na noite da quinta, quando o partido acusou o jornal de publicar uma "notícia falsificada" sobre as chances eleitorais de Lula. O programa fazia referência à manchete do domingo, 6 de fevereiro, do "Estado", "Lula perde para novos políticos". Ela mostrava uma simulação para o segundo turno em que Lula perdia as eleições para os chamados novos políticos. A pesquisa era atribuída pelo "Estado" ao Ibope.

Ocorre que o Ibope não fez simulação nenhuma. O jornal informou isso numa notinha escondida em página interna, na terça-feira 8 de fevereiro, onde escreveu que a simulação foi obra de um certo Cepac Pesquisa Análise e Comunicação, cujo currículo não ganhou maiores detalhes.

Na sexta-feira passada, ao voltar ao caso, o "Estado" deixou de informar seus leitores de que as queixas do PT e a carta do Ibope exibida no programa gratuito tinham fundamento. Sequer reproduziu o texto de sua notinha que fez correções à manchete. O jornal limitou-se a registrar o que foi dito no programa do partido e concluiu que "assim, o PT e Lula uniram-se ao ex-governador Orestes Quércia nas críticas ao jornal". Posou de vítima.
Qualquer bom manual de jornalismo chamaria isso de manipulação de informações. Acrescento mais: é subestimar a inteligência dos leitores.

O atendimento da ombudsman em fevereiro registrou os números apresentados aí ao lado. Em janeiro (dados que fiquei devendo graças a uma pane já sanada em meu computador), 442 leitores procuraram a ombudsman (232 cartas e 210 telefonemas) para fazer 111 protestos contra reportagens ou artigos, 40 críticas ao jornal, dar 31 sugestões e apontar 32 erros. Os elogios foram apenas 2.

Fevereiro voltou ao ritmo normal de atendimentos, com 566 manifestações de leitores. A coluna "Miriam Cordeiro, verdadeira patriota", assinada por Barbara Gancia em 16 de fevereiro, foi o recorde de protestos do mês: 30 leitores reclamaram. Outros quatro ligaram para dizer que gostaram das opiniões da colunista e concordavam com seus argumentos. O "affair" entre Itamar Franco e Lílian Ramos levou 26 leitores a telefonar ou escrever para a ombudsman, em sua grande maioria para protestar contra a cobertura que a Folha deu ao tema, considerada sensacionalista. Nenhum leitor procurou a ombudsman para elogiar essa mesma cobertura.


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