Folha de S. Paulo


Por baixo do pano

Não há como negar que a Folha fez jornalismo, e dos bons, quando publicou na quinta-feira o programa preliminar de governo do PT. Foi o chamado "furo". A reportagem mereceu destaque na capa do jornal e ocupou página e meia daquela edição. Foi competente em descortinar propostas do partido que tem, atualmente, o candidato mais bem colocado nas pesquisas eleitorais, e o único que pode sonhar com o segundo turno das eleições. O jornal ainda se preocupou em fazê-las acompanhar de um editorial com título tão inspirado quanto revelador de suas opiniões: "PTrodáctilos".

Mas o que poderia ser o ponto alto da semana na Folha se transformou em algo que o leitor pode ter lido como uma mal-disfarçada campanha contra o PT e suas idéias. Para além do seu editorial, a Folha deu ao programa preliminar do partido, que vai ser ainda discutido e pode ganhar alterações (como seu presidente alertou ao jornal), o significado de uma cartilha definitiva e imutável, pronta para ser entronizada no Planalto. Um tratamento, portanto, descabido, que recebeu repercussão idem.

Mais. Deixou de lado seu compromisso com o pluralismo -aquele mesmo pluralismo que louvei na semana passada neste espaço-, e abriu suas páginas para um rosário de críticas contra o programa petista. Apenas de críticas. Na sexta-feira, elas começavam já no Painel do Leitor, com três cartas que desancavam o ideário petista, e prosseguiam pela página 1-8. Ali, em duas reportagens diferentes, o jornal ouviu quatro empresários e quatro deputados do PT que manifestaram, coincidentemente, opiniões muito semelhantes à do editorial da Folha do dia anterior. Não havia uma única reação de simpatia ao programa do PT em todo o jornal.

Como se isso já não bastasse, a Folha ainda publicou, na mesma sexta-feira, entrevista com Luiz Inácio Lula da Silva em que ele se recusava a comentar o programa preliminar revelado pelo jornal. "Existem cerca de 30 propostas no PT. Não sei de qual a Folha está falando", desconversou Lula. Com isso, o candidato desqualificou totalmente o empenho pelo "furo", adiou a discussão dos pontos mais polêmicos do tal programa e, pior, não foi contestado pelo jornal. É claro que Lula sabia exatamente o que a Folha havia publicado na véspera. Mesmo embrenhado na Amazônia, sua assessoria deve ter enviado cópia do jornal a ele nas primeiras horas da manhã. A Folha sabia disso também, mas deixou as palavras de Lula sem resposta.

Se é assim que começa a cobertura da campanha eleitoral, vai mal esta Folha. O jornal errou. E feio. Reproduzo aqui parte da crítica interna que assinei para a Redação na quinta-feira: "Acho ótimo que a Folha publique o programa do partido, mesmo que se trate de uma versão preliminar. Espero apenas que o jornal faça a mesma coisa com todos os partidos ou coligações que lançarem candidato a presidente, reservando a mesma dose de espírito crítico e o mesmo destaque dado ao documento do PT para essas ocasiões. O leitor sairá ganhando com isso. Idem o jornal". Seria, ao menos, uma maneira de se redimir do papelão da semana passada.

Mais do que isso, seria uma maneira de se redimir do vexame da eleição passada, quando a imprensa se ocupou mais do oba-oba em torno dos candidatos a presidente do que com seu programa de governo. O de Collor, o país acabou conhecendo na prática apenas a partir do confisco da poupança, das contas bancárias e outras barbaridades administrativas. O de Lula, ele próprio confessou recentemente que não existia. Ou seja, só depois é que se descobriu que o país ficou entre um arrivista cheio de idéias e um desarmado cheio de ideais.

É obrigação da imprensa, desta vez, reproduzir, debater, polemizar e avaliar o plano de governo de cada candidato que tenha o Planalto na mira. Faz parte de sua responsabilidade social ajudar o eleitor a conhecer cada pormenor dos candidatos, sua vida pregressa, suas propostas. De preferência, sem a parcialidade demonstrada pela Folha na apresentação do programa preliminar do PT.

O jornal tem o direito, sim, de malhar qualquer programa de governo como um Judas em sábado de Aleluia. Tem, mais do que o direito, o dever de apontar ao leitor suas imperfeições, seus anacronismos, suas distorções, suas impossibilidades. Pode escrever um editorial por dia contra cada um dos programas, até as eleições. Mas deve abrir espaço igualmente para os que os apóiam e promover sua discussão exaustivamente. Ou então estará fazendo por baixo do pano a mesma coisa que os candidatos fazem abertamente nas ruas: campanha.

Um pequeno problema no computador que arquiva os dados dos atendimentos feitos pela ombudsman impede que esta coluna apresente o balanço do mês de janeiro, como faço no primeiro domingo de cada mês. Fica para o próximo. Mesmo sem os números finais na mão, entretanto, é possível dizer que foi um mês de movimento fraco, talvez por conta das férias escolares.

Fevereiro, entretanto, promete. As cartas já voltaram ao volume normal e os leitores estão cada vez mais exigentes com a Folha.

Escreve um leitor de Londrina (PR): "Na coluna de ontem (30 de janeiro) de Gilberto Dimenstein lê-se que a pesquisa do Ibope mostra uma queda abrupta de Lula nas pesquisas de opinião pública, perdendo quatro pontos. Recomendo a ele consultar o Aurélio para ver o que é 'abrupta'. Não entendo muito de estatísticas, mas sempre me disseram que a variação de dois pontos para mais ou para menos está dentro do padrão normal (margem de erro)."

Escreve outro de Cuiabá (MT): "Os editores da Folha duvidam que a cobertura do Brasil, caso queiram, pode ser feita de maneira tão divertida e alegre, e nem por isso menos reveladora, do que aquela que se dedica a coisas lá da América ou Europa? Acho extremamente insatisfatório que o jornal procure se firmar como nacional desconsiderando, como desconsidera, a necessidade de uma cobertura mais competente do Brasil. Aqui em Mato Grosso estamos reduzidos a notinhas ridículas no caderno Cotidiano, que ficam com um gosto indigesto de material oficial. Me parece pouco -e comprometedor, mesmo, dentro de um jornal que nos instiga tanto com suas possibilidades como é o caso desta Folha."

Escreve outro ainda de São Paulo: "Na edição de 25 de janeiro, a manchete do caderno Dinheiro era: 'URV encarece comida em até 83%'. O texto faz um exercício de futurologia, pois ainda não se sabe como vai ser feita a conversão para a URV, mas a manchete, por sua conta, já encareceu a comida em 83%. É uma clara opção pelo sensacionalismo fácil."

Outro ainda, de Fortaleza: "Na edição de 30 de janeiro, no Painel do Leitor, há uma carta do sr. Devanir Silva, presidente da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Privada, em que ele contesta dados nos quais se baseou um editorial da Folha intitulado 'Poço sem fundo'. Na Nota da Redação há a cândida resposta (ou seria melhor desculpa?): 'A Folha se baseou em dados oficiais publicados pelo governo.' Quer dizer que aquilo que o governo diz é inquestionável? O jornal não checa os dados? Governos não mentem, nem dizem meias verdades?"

Eis aí uma amostra do que anda pensando o leitor da Folha a respeito do jornal. O que ele quer fica claro nessas manifestações: um jornal melhor. Nunca é demais dizer: a ombudsman está aqui para recolher sugestões. E críticas como essas, que são sempre encaminhadas à Redação para análise e providências.

Por sugestão de inúmeros leitores, repito aqui o número do fax para o envio de correspondência à ombudsman: (011) 223.1644.


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