Folha de S. Paulo


PC, Bisol e a temperatura da semana

Foi uma semana dessas com que a imprensa sonha: notícias quentes o tempo todo, envolvendo gente importante. Apareceu o corpo de Ana Elizabeth em Brasília, PC Farias foi preso na Tailândia, a CPI desvendou um cartel de empreiteiras que agia dentro dos cofres públicos, Pablo Escobar morreu num tiroteio em Medellín e o Vaticano confirmou que o papa tem um vírus comum em aidéticos. Temperatura jornalística foi o que não faltou no noticiário.

Uma avaliação preliminar da Diretoria Executiva de Circulação da Folha mostra que a semana também foi quente nas rotativas: o jornal cresceu em média 8% em vendas nas bancas da cidade de São Paulo, refletindo o interesse do leitor (dados nacionais ainda não estavam disponíveis até ontem, mas podem repetir a média paulistana). E isso confirma uma velha tese das redações: o melhor jornal é como pãozinho, tem que sair cedo e estar quente para vender bem.

Numa semana como essa que passou, em que as notícias correram atrás da imprensa, seria de esperar que ela tivesse feito um grande trabalho. Fez e não fez. Conseguiu cobrir todos os assuntos com agilidade -a ponto de haver, na edição de sexta-feira da Folha, o caderno especial "Arquivo Secreto", com detalhes impressionantes do "poder paralelo" das empreiteiras denunciado apenas dois dias antes na CPI. Mas a imprensa também conseguiu ser negligente em questões importantes.

ESCARGOT E UÍSQUE
O exemplo mais contundente dessa negligência foi o tratamento que jornais e televisões deram à prisão de PC Farias na Tailândia. O inimigo público número um foi detido no hotel em que estava hospedado. Os funcionários da embaixada brasileira que o abordaram tomaram seu passaporte e aplicaram nele um carimbo de "cancelado". A partir daí, PC era um turista em situação ilegal na Tailândia; foi preso e deportado para o Brasil.
A imprensa comemorou o fato em manchetes nos jornais e telejornais, e na sexta-feira o "Jornal da Globo" ainda chamava de "heroína" a pessoa que delatou PC às autoridades brasileiras na Tailândia. Mas jornais e TVs se esqueceram de que a prisão do empresário só foi possível graças a uma interpretação arbitrária da letra da lei.

A Folha chegou a publicar, na quinta-feira, uma reportagem que dizia que os funcionários da embaixada do Brasil na Inglaterra desistiram da idéia de fazer o mesmo quando PC esteve lá, porque não teriam o apoio das autoridades locais. Na Tailândia, leis de Terceiro Mundo e uma ditadura em vigor abriram o caminho para o comportamento irregular contra PC, com a conivência de toda a imprensa.

A imprensa mostrou que age com dois pesos e duas medidas nesse episódio, e ainda abusou do direito de mostrar imagens de Elma Farias, a mulher de PC, chorando desesperada diante das câmeras de fotógrafos e cinegrafistas. É verdade que o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou na quinta-feira o único editorial questionando o procedimento que levou à prisão de PC, mas seu noticiário continuava deliciado com a idéia de vê-lo atrás das grades. O jornal chegou a descrever com minúcias as últimas mordomias a que o empresário teria direito no vôo entre Bancoc e São Paulo: "Escargot, Demi Moore e uísque".

RAÍZES
Sobre a morte de Pablo Escobar, a imprensa foi igualmente unânime: noticiou com algum estardalhaço que o traficante mais poderoso do mundo caiu num tiroteio com a polícia, e só. As agências internacionais produziram o material que foi publicado aqui, mas ninguém de lembrou de acrescentar à cobertura um pouco de análise. O que acontece agora que Pablo Escobar morreu? Quem é seu herdeiro no tráfico e no terror?
As televisões, que conseguem maior rapidez nesses casos, terminaram a noite de sexta-feira informando que Escobar estaria "desesperado" nos últimos dias (como disse o "Jornal Nacional"), com seu exército reduzido a 20% dos homens que tivera e cercado pela polícia. Ninguém se arriscou sequer a fazer futurologia, e desenhar um panorama para a Colômbia sem o seu inimigo público número 1. Falha imperdoável da imprensa de um país que faz divisa com aquele outro, e onde o cartel de Medellín, de Pablo Escobar, estaria tentando plantar suas raízes. E não é de hoje que isso ocorre.

MARCHA-À-RÉ
Mas o episódio mais inexplicável da semana surgiu a partir de um relatório apresentado à CPI pelo senador José Paulo Bisol, na quarta-feira, revelando um "governo paralelo" montado pelas empreiteiras para desviar dinheiro público.

No dia seguinte, não houve noticiário que não destacasse as palavras de Bisol e abrisse espaços nobres para desvendar o esquema erguido com parceiros políticos e concreto armado. "CPI acha cartel de empreiteiras para desviar verba do Orçamento", anunciou a Folha em manchete rara, de duas linhas. "Descoberto sindicato da corrupção", escreveu o "Estado". "Empreiteiras montaram rede de corrupção para comprar políticos", manchetou "O Globo". "CPI desvenda esquema de corrupção envolvendo empreiteiras e políticos", publicou o "Jornal do Brasil".

Na mesma quinta-feira, a empreiteira Odebrecht fez uma entrevista coletiva para a imprensa em São Paulo e seu diretor-presidente, Emílio Alves Odebrecht, desqualificou as denúncias do senador Bisol. Elas também começaram a ser fortemente atacadas no Congresso, e Bisol passou a ser alvo tanto de ameaças de morte como de palavras de descrédito. Foi o que bastou para uma rápida marcha-à-ré engatada por alguns dos principais jornais do país. No dia seguinte, apenas o "Jornal do Brasil" e a Folha continuavam bancando as denúncias do senador Bisol, mesmo que esta última ressalvasse ter havido um "exagero retórico" dele na hora de anunciar suas descobertas.

Mas nem esse pouco explicado recuo da imprensa -exceção, repito, feita à Folha e "JB"- foi suficiente para tirar dos jornais e das televisões as listas de "envolvidos" no novo escândalo dos corruptores, uma derivação do mar de lama encontrado com os corruptos do Orçamento. O chamado linchamento moral prosseguiu sob a forma de nomes, nomes e mais nomes publicados ao lado de anotações decifradas como sendo propinas, brindes, participações, contribuições de campanha e por aí vai. Mesmo que desconfiassem do "poder paralelo" revelado por Bisol, os jornais e televisões continuaram enxovalhando reputações sem o menor escrúpulo. E ainda incluíram a de Bisol nesse repugnante pacote.

Ressalte-se que a Folha publicou pela primeira vez, na sexta-feira, listagens que separavam os envolvidos em categorias distintas, conservando os casos mais evidentes de participação no esquema longe daqueles tocados ainda por meras suspeitas. Informou ainda se havia quebra de sigilo bancário e fiscal de cada um. Com isso, deixou de colocar todos os gatos no mesmo saco. Pode ter sido o primeiro passo do jornal na direção de corrigir as injustiças que a imprensa tem feito neste caso, e também o primeiro na direção de publicar, depois de terminada a CPI, a lista dos que saíram sujos -e principalmente dos que continuam limpos depois dela. Será um dia histórico para o país, e para a sua imprensa.

NOTAS

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A partir deste, e em todos os primeiros domingos de cada mês, esta coluna estará mostrando aos leitores os números envolvidos no atendimento feito pela ombudsman. Os mais importantes estão aí embaixo, e merecem algumas explicações.

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O total de 541 atendimentos foi feito em 20 dias úteis, o que dá a respeitável média de 27 atendimentos diários (cartas respondidas ou telefonemas atendidos). Entre as áreas que mais receberam a atenção do leitor estão Cotidiano (53 atendimentos), o caderno Brasil (43), Painel do Leitor (30), Esporte (25) e Ilustrada (19). Outros 50 leitores reclamaram do jornal em seu conjunto.

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Quando liga para a ombudsman, aliás, o leitor quer mesmo reclamar. Protestos específicos (contra reportagens, artigos, fotos ou opiniões publicados na Folha) somaram 118 atendimentos em novembro. Vieram em seguida 63 cartas ou telefonemas comentando o jornal e outros 41 apontando erros (de informação, de grafia ou de acabamento), além de 31 sugestões feitas à Redação.

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Do total de atendimentos, 88 eram reclamações de assinantes a respeito da entrega de seus jornais ou dos brindes prometidos na renovação. A ombudsman não cuida especificamente dessa área, e apenas encaminha esses protestos à Diretoria Executiva de Circulação. Mas o controle feito no gabinete da ombudsman mostra que a Circulação tem resolvido os casos.

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Apenas oito leitores procuraram a ombudsman para elogiar alguma coisa na Folha. O número não chega a decepcionar, mas antes confirma que o leitor compreendeu para que serve seu defensor no jornal. Para defendê-lo, e não para anotar recados melosos para a Redação. O leitor sabe o que quer. E o que ele quer é um jornal que ouça sua opinião para ser cada vez melhor.


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