Folha de S. Paulo


O que esperar de Obama?

Apenas quatro semanas atrás, o Partido Republicano conquistou o Senado, aumentou substancialmente sua maioria na Câmara e agora ocupa os palácios do governo de 32 dos 50 Estados americanos.

Segundo a maioria das versões, a derrota dos democratas representou um referendo contra o presidente. Tendo ainda dois anos pela frente na Casa Branca, Barack Obama é realmente um "lame duck" (político enfraquecido por estar em final de mandato) ou podemos esperar alguma audácia desse presidente muitas vezes irritantemente moderado? A julgar pelo que vimos em apenas um mês, eu apostaria que ainda há muito mais pela frente.

Com relação à imigração, o presidente desafiou um Congresso resistente e usou seus poderes executivos para dar status legal a até 5 milhões de pessoas nos EUA, ao mesmo tempo colocando ainda mais dinheiro e agentes na fronteira.

O cálculo político é evidente: a maioria dos que vão ganhar status legal provavelmente, com o tempo, vai votar nos democratas, a não ser que o Partido Republicano consiga reinventar-se como mais inclusivo. E facilitar vida e trabalho legal de imigrantes também traz benefícios econômicos importantes ao país.

Mas o valor humanitário da iniciativa é igualmente importante. Somos mesmo um país de imigrantes, com capacidade notável de absorver recém-chegados. Apesar das acusações de que exerce uma Presidência imperial, Obama fez a coisa certa nesse quesito.

E há as mudanças climáticas. O acordo (não tratado) com a China anunciado durante a visita de Obama a Pequim no mês passado, e que levou dez meses para ficar pronto, injeta força diplomática nas negociações climáticas globais, que, agora, poderão muito bem mostrar resultados substantivos em Lima, neste mês, e Paris, em 2015.

E, embora seja verdade que no primeiro mandato Obama apostou seu capital doméstico na reforma da saúde, e não na legislação "cap and trade" (que limita as emissões de gases-estufa e prevê venda de cotas de poluição), meu palpite é que ele continuará usando sua autoridade executiva e legislativa para reduzir as emissões de carbono.

Segurança nacional/política externa é o espaço que confunde os maiores defensores e os críticos mais acirrados do presidente. Obama demitiu Chuck Hagel depois de pouco mais de dois anos como secretário da Defesa e passou por várias opções até encontrar um sucessor disposto a aceitar o cargo.

Mas substituir a alegada passividade de Hagel não vai melhorar a situação substancialmente. Não está claro se o problema é o caráter isolado da equipe de segurança nacional da Casa Branca ou a constelação de desafios agudos representados por Irã, Iraque, Síria, Israel, Rússia e uma série de atores não estatais entre os quais é complexo demais navegar. O novo livro de David Rothkopf, "National Insecurity", sugere que a resposta seria "todas as alternativas acima". Mas Rothkopf também argumenta que, diante da complexidade e da cacofonia, às vezes a melhor resposta interna é simplificar e a externa é ouvir.

E há Ferguson encarnando nossas maiores divisões de raça, classe social e injustiça, que levaram séculos para tomar forma. Dois anos não curarão as feridas; uma liderança presidencial inequívoca poderia ajudar.

Tradução de CLARA ALLAIN


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