Folha de S. Paulo


Políticas pouco auspiciosas para o abismo fiscal

O acordo tentativo de Washington para evitar o chamado "abismo fiscal" vai, apropriadamente, elevar os impostos sobre os ricos, ao mesmo tempo adiando por pouco tempo as negociações sobre os gastos, o déficit e a dívida.

Líderes partidários, entre eles o presidente Obama, vão defender o acordo, dizendo ter sido sinal de liderança política e de concessões necessárias, até mesmo democráticas. Mas o acordo assinala o fim da grande barganha --a fórmula bipartidária de uma era anterior na história americana, algo pelo qual muito se anseia hoje,mas que parece fora de alcance.

A nova normalidade em Washington é o hiperpartidarismo, com o qual os republicanos descobriram que, se aguardarem o suficiente, os democratas acabarão por ceder no final de negociações.

Meus amigos republicanos me dirão que os democratas são igualmente intransigentes. Mas os democratas não possuem mais uma ala poderosa de esquerda que os impeça de fazer concessões políticas (se é que ela o tenha feito em alguma época). Bill Clinton rompeu aquela velha coalizão do New Deal com reformas previdenciárias nos anos 1990. O Partido Democrata ainda é uma coalizão que abrange posições e interesses que vão desde progressistas até a centro-direita.

Desde os anos de Clinton, porém, os democratas em poucos momentos bloquearam seu próprio presidente ou liderança no Congresso.

A intransigência republicana, uma postura curiosa à luz do etos nacional que reelegeu Barack Obama há pouco, não se deve a uma unidade de visão. Pelo contrário. A liderança do Partido Republicano, especialmente na Câmara dos Deputados, é assediada por ideólogos do Tea Party cuja oposição à maioria dos gastos governamentais não militares paralisou as maneiras de fazer política mais antigas, que envolviam concessões.

Com o presidente republicano da Câmara incapaz de unificar seu partido, majoritário na Câmara, como a Casa Branca conseguiu o pacto parcial sobre aumentos de impostos? Como notou um repórter do "New York Times", dois homens de 70 anos falaram ao telefone. Joe Biden, democrata e vice-presidente, e Mitch McConnell, republicano e líder da minoria no Senado, que atuaram juntos no Congresso por 28 anos antes de Biden entrar para a chapa presidencial de Obama.

Existe nesse fato algo de tranquilizador e também de preocupante. Os laços pessoais acabam tendo importância, sim, em última análise, e com frequência são cruciais para a superação de processos políticos paralisados. Sabemos disto da diplomacia e da experiência humana. Alguns de meus melhores amigos são homens de 70 e 80 anos; eu valorizo sua sabedoria e experiência de vida. Mas acabamos de passar por uma eleição que demonstrou que questões demográficas --idade, etnia, gênero-- são poderosos agentes de transformação nos Estados Unidos, remodelando o país de modo muito mais significativo do que sugeriria o pacto arquitetado por Biden e McConnell.

As divisões internas republicanas vão, perversamente, dar ao partido condições de frustrar a agenda do presidente para a reforma da imigração? O controle de armas? Mitch McConnell, que no início do primeiro mandato de Obama prometeu que a agenda legislativa do Partido Republicano seria moldada em primeiro lugar pelo objetivo de impedir a reeleição de Obama, hoje é o aliado político da Casa Branca. E isso gera um começo pouco auspicioso para 2013.

Tradução de CLARA ALLAIN


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