Folha de S. Paulo


Dom Paulo de todos os santos

Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapreess
Em 2016, Dom Paulo comemora 50 anos de ordenação episcopal
Dom Paulo (centro) em comemoração de 50 anos de ordenação episcopal

Dom Paulo Evaristo Arns ficará para sempre na memória dos excluídos, dos perseguidos e dos que excluem e perseguem.

Autor do livro "Corintiano, graças a Deus!", não se limitou a gostar de futebol, mas sabia tudo de seu time e queria saber mais, como sempre soube que viveu num país injusto e tudo fez para minimizar as injustiças.

Era um corintiano de todas as torcidas e gostava de ouvir de seu companheiro de lutas, Dom Angélico Sândalo Bernardino, outro bravo corintiano, a história que ele conta, e contou na última homenagem recebida, em outubro último, aos seus 95 anos, completados em 14 de setembro, no palco do Tuca, o teatro de sua amada PUC.

Dom Angélico, para realçar o ecumenismo de Dom Paulo, lembra que o apóstolo São Paulo escreveu duas cartas ao coríntios, queria que todos fossem Santos e as escreveu embaixo de frondosas Palmeiras.

Dom Paulo gargalhava de satisfação ao ouvi-lo com a mesma força que enfrentou os ditadores e as arbitrariedades cometidas por homem fardados ou não.

Despreocupado em ser politicamente correto, ainda no Tuca pôs na cabeça o chapéu vermelho que recebeu como presente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, porque sua opção preferencial pelos pobres foi escolha de vida e não da boca para fora.

Certa vez, em 1975, nos dias terríveis do assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, em pesada madrugada, na Cúria Metropolitana, perguntei, para tentar desanuviar o clima, com o atrevimento de quem tinha 25 anos de idade, se ele acreditava mesmo em Deus ou era só um meio de fazer a boa política que fazia em defesa dos Direitos Humanos.

Dom Paulo olhou bem para mim e, com infinita paciência, não titubeou: "Meu filho, você é mesmo atrevido. Você acha mesmo que vamos discutir Teologia nesta hora da madrugada?".

Recolhi-me à minha insignificância imediatamente, mas não foram poucas as vezes em que, mais tarde, em novos encontros, ele, com sorriso nos lábios, fez referência ao episódio.

Com medo, foram muitas as vezes em que corri para baixo de sua batina. Seus conselhos, sempre sensatos e sem bravatas, jamais foram em outro sentido que não o da resistência, da coragem.

Uma bravura que conseguia transmitir porque a exercia cotidianamente.

Dom Paulo foi capa da revista "Placar" ainda no período de jejum de títulos do Corinthians.

Posou com uma bandeira do clube e escreveu o que chamou de "Pastoral ao povo corintiano".

No texto passava a mensagem de que não há derrotas definitivas para o povo e que se a vitória ainda não veio é porque a história continua.

Mais tarde, apoiou com entusiasmo a Democracia Corinthiana.

Em mais de 500 anos de história, o Brasil conheceu grandes líderes religiosos, mas, sem dúvida, como Dom Paulo Evaristo Arns, só ele mesmo.

Fará muita falta de corpo presente neste momento grave por que passa o país, com tantas conquistas dos menos favorecidos ameaçadas por governantes hipócritas que, é claro, sem jamais ouvi-lo, agora o homenageiam.

Seu exemplo permanecerá para alimentar a luta de quem não aceita tanta injustiça.

Vai, Dom Paulo!


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