Folha de S. Paulo


Pela culatra

O sonho do Brasil potência, quem sabe com uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, se esvai entre os dedos.

O mundo volta a olhar para cá com desdém depois do deprimente espetáculo do último domingo na Câmara dos Deputados, retrato fiel, não exatamente do que somos, mas do que a força do dinheiro permite parecer representação do povo.

A mídia estrangeira é mais isenta que a nossa e se o 7 a 1 desmoralizou o futebol nacional, aos olhos do mundo a goleada na Câmara feriu a Constituição brasileira.

Deus, família, propriedade, tortura, corruptos contra a corrupção, cínicos, malandros e suas mulheres, malandras e seus maridos, tinha de tudo bastante.

O país que fez a Copa do Mundo dois anos atrás e que fará os Jogos Olímpicos daqui a pouco mais de cem dias está em pandarecos.

Também porque não tomou nenhum providência depois da Copa das Confederações, em junho de 2013, em meio aos protestos da esquerda à direita.

Ali estava clara a crise de falta de representatividade dos homens públicos no país. Que voz poderia se levantar para dar um rumo quando invadiram até o Palácio do Itamaraty?

Não havia nenhuma e continuou a não haver a tal ponto que hoje apenas os pigmeus dão o ar de sua desgraça e ocupam o vácuo do poder com esta festa macabra em que trair e roubar é só começar.

A Copa fez a alegria dos turistas, das empreiteiras e dos corruptos.

Os turistas foram embora, não voltaram, riem do Brasil e empreiteiros e ladrões estão (estavam?) encalacrados porque um juiz de preto resolveu apitar pênaltis e mais pênaltis, invariavelmente contra o mesmo time.

A torcida espera, ansiosa (sentada?), que também os pênaltis dos outros times sejam apontados e teme, porque tem por que temer, que a marmelada esteja no fogo.

Ninguém curte as vésperas da Olimpíada. Ninguém, na verdade, presta muita atenção, para alívio de seus organizadores, os mesmos dos descalabros do Pan-2007. A conta virá depois porque, como se sabe, não há Jogos de graça.

Cesar Cielo fora das piscinas? Maria Sharapova virá? A festa de abertura será marcante?

Nada disso anda importando.

Quem abrirá a cerimônia em nome do Brasil?

Dilma Rousseff?

Michel "Silvério" Temer?

Você se lembra, rara leitora, raro leitor, que na passagem do ano entre 2001 e 2002 nossos hermanos argentinos tiveram três presidentes num espaço de 12 dias?

De la Rúa, Saá e Duhalde, eis o trio de ex-habitantes breves da Casa Rosada que não entrou para a história como o trio atacante do River Plate nos anos 40 –Pedernera, Labruna e Loustau, à altura de Pagão (ou Coutinho), Pelé e Pepe ou Messi, Suárez e Neymar.

Lula ganhou de Barack Obama, que queria Chicago, o direito de fazer a Rio-16 ao falar em português sete anos atrás para os eleitores do COI. Então, ele era "o cara".

Depois, viu a sucessora ser vaiada em Brasília na abertura da Copa das Confederações, xingada animalescamente em Itaquera na abertura da Copa e vaiada outra vez no encerramento, no Maracanã.

O que era sonho virou pesadelo e até o Tiririca prometeu uma coisa e fez outra.

Não é assim que funciona?

O mundo diz que não.


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