Folha de S. Paulo


Aécio Neves e os 14 Supremos

Pedro Ladeira /Folhapress
Plenário do STF momentos antes do início da sessão. Foto: Pedro Ladeira /folhapress
O plenário do Supremo Tribunal Federal

Discutamos primeiro a forma.

No dia 17 de maio, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin impôs a Aécio Neves medidas cautelares diversas da prisão: suspensão do exercício de funções parlamentares, proibição de contatar outro investigado ou réu no processo e proibição de deixar o país.

O senador, claro, recorreu da decisão. Mas Fachin não levou o caso a julgamento na Segunda Turma, pois desmembrou o inquérito e redistribuiu a investigação sobre o senador. O caso não teria relação com a Operação Lava Jato e, por isso, Fachin não era obrigatoriamente o relator. O processo foi redistribuído para o ministro Marco Aurélio Mello.

No dia 12 de junho, o ministro Marco Aurélio liberou o processo para julgamento na Segunda Turma. O caso foi pautado para a sessão do dia 20, mas, antes do julgamento, a defesa do senador insistiu no pedido para que o caso fosse analisado pelo plenário do STF. A decisão colegiada foi adiada.

Na véspera do recesso de julho do Supremo, o ministro Marco Aurélio, monocraticamente, reverteu a decisão de Fachin e garantiu a Aécio Neves o retorno ao mandato. O Ministério Público recorreu dessa decisão no dia 31 de julho, mas o processo só foi julgado nesta terça-feira, quase dois meses depois. O resultado potencializa a divergência entre a Primeira e a Segunda Turmas do Supremo.

Fachin redistribuiu o processo sobre Aécio Neves antes que pudesse submeter sua liminar aos ministros da Segunda Turma (Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli). Se o caso fosse levado a esse colegiado, avaliaram assessores do Supremo, Aécio Neves conseguiria manter-se no mandato. Como o processo foi submetido à Primeira Turma, composta por Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, o resultado foi distinto.

A fragmentação do Supremo em 11 gabinetes se agrava com a diferença evidente no tratamento de casos penais entre a Primeira e a Segunda Turmas. E soma-se a isso à imprevisibilidade no julgamento dessas mesmas questões no plenário. Ou seja, o Supremo se fragmenta em duas turmas, um plenário e mais 11 ministros. Analisar o STF é, portanto, ter de lidar com 14 STFs.

Analisemos agora o conteúdo. É sintomática a declaração do presidente do Senado, Eunício Oliveira: "Se a Constituição foi ferida pela decisão [...] obviamente que o Senado vai tomar as providências".

Na visão dos senadores, a ferida foi imposta pelo guardião da Constituição —o Supremo Tribunal Federal— ao afastar um senador do exercício do mandato sem que para isso haja, na visão dele, previsão constitucional. Esta não foi a primeira vez que o Supremo assentou que a imunidade parlamentar pode ser afastada mesmo sem um flagrante por crime inafiançável. E também não foi a primeira vez que o tribunal alegou estar diante de uma excepcionalidade.

O ministro Teori Zavascki afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara e do exercício do mandato parlamentar, argumentando que a Constituição permite a intervenção do Judiciário, a despeito da imunidade parlamentar. Foi seguido por todos os ministros, inclusive pelo ministro Marco Aurélio, que agora no caso de Aécio Neves disse que "não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato".

A soma de excepcionalidades, ora seguida por alguns ministros, ora criticada pelos mesmos magistrados, poderá ser pacificada quando o Supremo levar a julgamento a ADI 5.526, movidas pelos partidos PP, PSC e Solidariedade. Na ação, as legendas defendem que o Supremo decida que a aplicação de medidas cautelares a parlamentares seja submetida, no prazo de 24 horas, à respectiva Casa legislativa, para que sobre elas delibere.

Conteúdo e forma somados às idiossincrasias do STF fazem com que os vários Supremos dentro do Supremo caminhem para o conflito com outros poderes - especialmente com o Congresso, hoje composto por parlamentares envolvidos com a Justiça Criminal (30 senadores e 63 deputados investigados apenas na Operação Lava Jato).

Em 2016, o Senado recusou-se a cumprir uma decisão do Supremo. Neste ano, o Congresso compeliu o STF a reverter uma liminar que fazia voltar à estaca zero a votação das 10 medidas de combate à corrupção. O tribunal corre o risco de novo revés agora e de assistir ao senador Eunício Oliveira reivindicar para o Senado o posto de guardião da Constituição.


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