Folha de S. Paulo


Chapa Dilma-Temer: TSE entre a verdade real e a meia verdade

Pedro Ladeira - 06.jun.2017/Folhapress
Composição do Tribunal que julga a chapa Dilma-Temer - TSE - Julgamento da Chapa Dilma-Temer
Composição do Tribunal que julga a chapa Dilma-Temer - TSE - Julgamento da Chapa Dilma-Temer

O julgamento começou morno na terça-feira à noite no plenário do Tribunal Superior Eleitoral, mas esquentou e já indicou quem é quem na manhã de quarta-feira. A discussão repetia o que foi debatido em 2015, quando o TSE decidiu reabrir a ação de impugnação do mandato de Dilma Rousseff. O ponto era saber se o tribunal fecharia os olhos para os fatos ou se curvaria a eles. Há dois anos, os fatos foram soberanos; agora, eles, os fatos, que se encaixem na formalidade do processo.

Certo ou errado, o que chama atenção é a mudança de postura. É como se o TSE dissesse: o que está no mundo serve para justificar a abertura de investigação, mas só para isso. Para condenar, são outros quinhentos: aí é preciso juntar fatos, circunstâncias, disposição e uma dose de coragem. Como bem disse o ministro Gilmar Mendes em 2015: "O TSE é muito corajoso às vezes para cassar um governador da Paraíba, mas não quer se meter na disputa em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, ou mesmo em Minas Gerais."

Para cassar uma chapa presidencial seriam necessárias quantas delações premiadas?

Herman Benjamin, relator do processo, ressaltou que não pode o juiz ignorar os fatos, confundindo imparcialidade com omissão. O juiz eleitoral, ao instruir um processo como este, deve ter como parâmetro a busca da "verdade real".

"Aqui, na Justiça Eleitoral, nós não trabalhamos com os olhos fechados", enfatizou. "Esta é a tradução deste princípio da verdade real", acrescentou. Herman Benjamin afirmou que só os índios não contactados da Amazônia desconhecem as revelações feitas por executivos da Odebrecht. Como ignorar isso?

Tudo isso para dizer que as provas obtidas com os depoimentos de delatores da Odebrecht e com os depoimentos do marqueteiro João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, podem e devem ser usadas para julgar as ações contra a chapa Dilma-Temer. Mas este é o ponto que hoje divide o tribunal. Herman Benjamin, com anos de experiência no Superior Tribunal de Justiça, sabia de onde viriam os primeiros ataques e preparou-se para o contra-ataque.

O primeiro disparo partiu de Gilmar Mendes. Chamou o argumento de Herman Benjamin de falacioso e disse que, a depender da disposição pela busca da verdade real, a investigação contra a chapa deveria permanecer aberta, em razão de novos acordos de delação. "Agora vossa excelência teria mais um desafio: manter o processo aberto e trazer as delações da JBS e talvez na semana que vem as delações de Palocci, para mostrar à Vossa Excelência é falacioso. Há limites que o processo estabelece", afirmou o presidente do TSE.

É fato. Indícios e provas de que a campanha de Dilma e Temer recebeu recursos ilícitos surgem a todo momento. E Herman Benjamin valeu-se do que disse o próprio Gilmar Mendes no julgamento de 2015, quando capitaneou o tribunal a reabrir o processo contra a chapa Dilma-Temer. Herman Benjamin lembrou a justificativa de Gilmar Mendes para a demora de cinco meses para devolver o pedido de vista.

"Também devo dizer, senhores ministros, que levei cinco meses para trazer este pedido de vista por uma razão: a toda hora tinha que fazer atualizações em função dos fatos que se sobrepõem - como já se disse, atribuindo-se ao ministro Teori Zavascki, 'puxa-se uma pena e vem uma galinha na Lava Jato' -, conexos com os que estão aqui, como veremos, tanto é que me vi obrigado a fazer várias atualizações no texto para as quais chamarei a atenção", enfatizou.

Ignorar fatos públicos e notórios - seja qual for a motivação para isso, seja técnico-formal, política ou meramente pragmática - pode comprometer a lição pedagógica que este processo poderia dar ao sistema político. Como disse o ministro Gilmar Mendes, era preciso sim investigar, mas pergunta-se: diante das provas, não seria normal condenar?

E, finalmente, o risco é que, ao fechar os olhos para os fatos apontados na delação da Odebrecht, a Justiça Eleitoral seja acusada, mais uma vez, de julgar um processo levando em conta apenas quem está sendo acusado. A estátua da Justiça é cega porque todos devem ser julgados da mesma forma. A venda na estátua não pode servir de justificativa para não enxergar os fatos.


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