Folha de S. Paulo


A seco

SÃO PAULO - Somos tentados todos os dias, adquirimos hábitos, uns se tornam vícios. Cigarro, sexo, internet, gordura, remédio, a lista é imensa e aberta a novas possibilidades. Consumimos vorazmente até o que não dá prazer, como sacola plástica –basta ver o pânico paulistano de ficar sem a sua no supermercado.

Com menos frequência, o não consumo também vicia. Chuto que o mecanismo que nos leva a consumir algo e nos recompensa por isso é capaz de ser subvertido pela substituição do que se consome ou da recompensa, tanto faz. Exemplos: o ex-fumante que se vicia em balas, o ex-fumante beligerante com quem fuma.

Confesso que me tornei recentemente um ávido não consumidor de água. Ou quase isso. Movido pela burrice hídrica de São Paulo, adotei as medidas de praxe, a começar pelos redutores de vazão de chuveiro. A economia foi notável. O passo seguinte foi o balde para recolher a água do começo do banho. Depois, uma espécie de tina, para recolher durante o banho. Mais economia. Uma caixa de 350 litros para recolher a água da máquina, água de cozimento no jardim, água limpa do banho na limpeza, água suja do banho no vaso sanitário, água com sabão da máquina no quintal. A ginástica hidráulica deu resultado, a única água não reutilizada hoje em dia é a de beber.

Diante de tanta economia, o consumo do outro, de qualquer ordem, se torna um acinte: você desconfia de carro lavado, cria ojeriza a mangueiras. E sente que está ficando xarope quando se segura para não questionar a colega que trocou de prato no bufê após a salada, imaginando quanta água seria economizada se todos usassem menos louça...

Mas percebi que sou mesmo um caso perdido quando a Sabesp apareceu em casa e, sem perguntar, trocou o hidrômetro. O formulário mal preenchido é bem claro. O relógio antigo será analisado, posso ser processado por fraude. Nem mesmo o governo acredita que é possível economizar tanta água.


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