Folha de S. Paulo


Obra, esporte nacional

HÁ OITO anos, a Folha emprestou uma expressão que causou espécie nos meios esportivos. Acontecia o Pan de Winnipeg, no Canadá, e o Brasil ganhava um monte de medalhas. A mídia nacional sambava ao ritmo do Comitê Olímpico Brasileiro, e o caderno Esporte, dissonante, estampou: "Ilha da Fantasia".

Era fato. Na TV, um atrás do outro, brasileiros vencíamos a tudo e a todos. O grosso dos resultados, porém, não nos credenciava a nada além do próprio Pan, o que se confirmou na Olimpíada seguinte -essa sim disputa de gente grande.

A reação foi forte. As críticas iam da simples acusação de mau humor à falta de patriotismo. O jornalismo esportivo enfim se dividia: tem que apoiar ou relatar?

Passados oito anos, a discussão continua. O esporte nacional precisa de apoio? Melhor dizendo, de complacência, cumplicidade? O governo diz que sim, pois investirá R$ 20 milhões para cada medalha a ser conquistada por nossa gente bronzeada em julho, no Rio.

A conta é capciosa, mas serve para mostrar o tamanho do buraco em que nos metemos. O investimento público no Pan carioca, segundo as últimas projeções, deve superar os R$ 3 bilhões. Como o COB estima em 150 o número de medalhas que nos espera, chegamos então à incrível média de R$ 20 milhões para cada atleta sorridente enrolado na bandeira.

Se R$ 3 bi é uma cifra pornográfica mesmo em um país de orçamentos mamários, R$ 20 milhões é dinheiro pra chuchu em se tratando de esporte. Por exemplo, a Lei Piva, que distribui uma porcentagem do dinheiro das loterias para o setor, irriga o esporte com R$ 60 milhões/ano -ou seja, apenas três das milionárias medalhas.

Pela mesma matemática, o Banco do Brasil investe anualmente no vôlei de duas a três dessas medalhas. Com isso (ou só com isso, a depender do ponto de vista), participa de um dos projetos esportivos mais bem-sucedidos do país.

Em suma, o valor correspondente a 15 ou 20 medalhas já seria suficiente para uma verdadeira revolução no esporte. Sobrariam ainda bilhões para o Pan. Ou não?

Como dizem os organizadores, o atraso do país era tamanho que não havia até então praça esportiva que cumprisse as modernas normas internacionais. Por essa lógica, a revolução do esporte passa necessariamente pela revolução de ginásios e estádios. E por obras, que curiosamente alavancam apoio -como esse que a CBF tem recebido dos governadores em seu "road-show" pela Copa de 2014.

Os atletas que esperem por sua revolução. Até lá, valem os R$ 300 do bolsa-atleta, um patrocínio aqui, outro ali. E, claro, o patriótico carinho da mídia. Afinal, a ilha agora tem até ginásio, mas o resto continua, como antes, pura fantasia.

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE é editor de Esporte


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