Folha de S. Paulo


Um silêncio ensurdecedor

Na semana passada este jornal publicou um texto meu sobre proibicionismo. Eu me posicionei contra a desastrosa política de combate às drogas e cobrei que formadores de opinião assumissem o consumo delas.

O objetivo seria desmistificar o uso dessas substâncias, uma vez que a marginalização do usuário é o principal pilar do proibicionismo —a fantasiosa suposição de que, liberadas, as drogas transformariam nossa sociedade num pandemônio. Uma falácia que cretinos de todo o mundo, patrocinados ou não, repetem sem pudor.

Completo: é uma guerra com dois lados. O primeiro é o das organizações que ganham fortunas com a proibição, traficantes e instituições de controle, como polícias e agências governamentais. Por trás desse mercado violento e lucrativo, lobistas da repressão e fabricantes de armas.

O segundo lado é o da população civil perdida no fogo cruzado. Como reprimir mata mais que usar, o interesse dessa guerra não é nosso, mas deles. Não falo aqui sobre quem está na linha de tiro, mas em quem conta a grana que entra no topo da pirâmide, seja orçamento ou remessa. Tanto o traficante armado quanto o PM na esquina da boca são bucha de canhão diária de uma guerra mentirosa promovida por canalhas.

(Sobre isso, aliás, chama atenção que autoproclamados novos intelectuais de direita, daqueles que abrem o bico para enumerar bastiões do liberalismo, não comprem em suas colunas, institutos ou subterrâneos blogs a briga contra a política que mais mata brasileiros. Descontando o custo humano, a guerra contra as drogas é caríssima para o Estado e gera um mercado extremamente ineficiente. É bizarro que um liberal tenha opiniões tão contundentes sobre a interferência do Estado na economia e cale-se sobre a regulação excessiva do consumo individual de determinadas substâncias. Sem falar do silêncio sobre o casamento gay, o aborto e do abraço a golpistas e homofóbicos em Brasília. São libertários ou evangelistas? Nunca leram John Stuart Mill? Milton Friedman? Mises? Com poucas exceções, os libertários brasileiros costumam ser uma vergonha para o liberalismo.)

Voltando à semana passada: abri minha gaveta cobrando que formadores de opinião fizessem o mesmo. Não é simpática a abordagem, mas sabemos que um tiroteio ou uma dura numa favela é muito menos. Ao final, acusei todo mundo de estar com a mão suja, como já fiz em outras diatribes de velho senhor gritando com o jornal.

Não se trata de uma busca catártica por culpados, impulso que satisfaz nossos anseios mais moralistas ("Ah, esses globais chincheros que não usam o espaço que têm pra mudar alguma coisa!"), mas simplesmente de uma chamada à responsabilidade.

Infelizmente, tirando a Laerte e alguns amigos próximos, ninguém se manifestou. O texto foi muito lido e recebi inúmeros apoios, mas no meio artístico fez-se um silêncio ensurdecedor, como diria Nelson Rodrigues diante do Maracanazo em 1950.

Dirigi minha chamada aos artistas porque, ingênuo, acho que estes estão na vanguarda da sociedade. Talvez não seja o caso do Brasil, onde o medo da pindaíba gera nossa censura velada de cada dia.

Há contratos, editais e aquele biquinho de publicidade, sabemos. É por isso que dessa vez convido todos: artistas, formadores de opinião, doutores, estudantes, engenheiros, operários, deputados etc. Se você quiser abrir a gaveta num breve depoimento, escreva para anatelles@ucamcesec.com.br e contribua com a campanha "Da proibição nasce o tráfico".


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