Folha de S. Paulo


Kotti

Não importa onde me hospede na capital da Alemanha, para mim o centro de Berlim sempre será o bairro de Kreuzberg. Ou, mais especificamente, o trapézio geométrico formado entre quatro bares próximos ao entroncamento de carros, vagões e pedestres do formigueiro aberto de Kottbusser Tor.

São eles: o Rote Rose, o Roses, o Würgeengel e o Möbel Olfe, não distantes mais do que alguns passos um do outro. Mais do que gostaria ou possa controlar, costumo terminar minhas noites aqui. Ou começá-las. O ponto médio entre esses quatro endereços deve ser algo parecido com a minha casa na cidade.

O Rote Rose (Adalbertstraße, 90) é o único que fica aberto 24 horas. A freguesia é composta por mendigos (e seus cachorros que ganham mesada do governo), motoristas de táxi, traficantes, punks e malucos em geral.

Há um jukebox e uma daquelas maquininhas que cospem moedas com um sujeito na frente, não importa a hora. A cerveja é baratíssima e o Rote Rose é sempre diferente, sempre absurdo, sempre despropositado como o seu altar com anões e uma Branca de Neve. O teto é um tabuleiro de xadrez –e você deveria tomar cuidado com a sua carteira.

É complicado descrever o que é e o que se passa dentro do Roses (Oranienstraße, 187). As suas paredes de pelúcia rosa levam alguns a dizer que o bar lembra o interior de um útero gay -caso gays tivessem úteros, é claro. O décor queer é completado por bonecas, globos espelhados, pôsteres e uns 100 mil objetos aleatórios de decoração.

Apesar da temática, o público anda misturado (muitos turistas a depender da noite e está na moda falar mal do Roses), mas a garantia é sempre de calor, música dos anos 90 e lotação máxima. Um dos lugares mais interativos de Berlim, para o bem e para o mal. Faça amigos ou a guerra. E seja sempre muito gentil com a senhora por trás do balcão -você não vai querer arrumar confusão com ela.

O Würgeengel (Dresdenerstraße, 122) tem esse nome em homenagem ao filme do Buñuel ("O Anjo Exterminador", 1962). Se no salão aristocrata da história os convidados se veem impedidos de sair, aqui é o contrário: anda cada vez mais difícil entrar no bar depois de nove da noite, já que ele vive lotado.

As paredes de veludo vermelho e os lustres dourados art déco seriam o destaque não fossem os coquetéis e o serviço impecáveis dos barmen. Dizem que a comida é ruim, mas quem vai num lugar desses para comer? Beba o Moscow Mule e o Mai Thai. Para começar.

O Möbel Olfe (Reichenbergerstraße, 177) fica nas galerias do NKZ (Neue Kreuzberger Zentrum), o conjunto habitacional lindamente horroroso que domina a paisagem do Kotti. Esse complexo de apartamentos populares construído nos anos 70 ainda é habitado majoritariamente por turcos ou descendentes.

O bar emprestou o nome de uma velha loja de móveis que funcionava ali -e cujo resto de letreiro ainda pode se ver no topo do prédio. A maioria dos seus habutués beberá cerveja, mas você não deveria perder os shots de vodka polonesa ou russa. Recentemente botaram um grande cartaz na porta para avisar os turistas: "Homo bar". Bem, se você se incomoda com isso, não deveria estar em Berlim. Ou nesse planeta.


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