Folha de S. Paulo


O melhor clube de jazz do mundo

Valentina Fraiz/Editoria de Arte/Folhapress

O melhor clube de jazz do mundo faz jus ao nome. Smalls é um pequeno e escuro porão no Greenwich Village, em Nova York, quase na esquina da 10th Street com a 7th Avenue, com capacidade para 60 pessoas –o número é fornecido pela casa, ainda que seja difícil imaginar tanta gente lá dentro. Um pedestre distraído pode passar pela calçada sem notar a porta estreita que se abre para uma escada ao subsolo.

O clube foi aberto em 1993, mas parece bem mais antigo, com seu teto baixo, paredes com tijolos aparentes e fotografias penduradas, cortinas mofadas por trás do palco e tapetes esgarçados no chão. A acústica é aveludada e não existe ambiente que ofereça maior intimidade entre um músico e quem o assiste. Há um espelho por trás do piano e outro num dos cantos superiores do palco a refletir a caixa da bateria.

É uma casa de tocadores de jazz. Depois de meia-noite, eles chegam de outros concertos carregando seus instrumentos e assistem ao show ou sobem ao palco. Não pagam ingresso. Em algumas noites, a impressão é a de que há mais instrumentistas que simples melômanos no lugar. Para muitos, o Smalls já é a meca de duas gerações de jazzistas da cidade.

Aqui há algo de juvenil, elétrico, beatnik e excessivamente masculino. A conversa nos intervalos é sobre a música que acabamos ou que vamos ouvir e, apesar da razoável carta de drinques, quase todo mundo bebe cerveja ou uísque. O público de "jazzheads" é formado por estudantes de boina, executivos com a gravata afrouxada, senhores de colete, nerds de gola rulê ou turistas da Flórida. Há sempre mais contrabaixos encostados na parede do que donzelas na plateia.

A programação é eclética: pianistas, trios, quintetos, formações de metais, big bands e toda sorte de combinação inusitada, o que inclui a partir da alta madrugada jams de músicos, consagrados ou não, que se conhecem no palco em improvisos que fazem avançar a escola de Nova York do bebop e do hard bop.

Ao contrário das outras casas do Village que chutam os clientes depois de cada set, você paga US$ 20 (R$ 48) no topo da escada ao dono do lugar, Mitch Borden, e fica até o fim de tudo –a depender da tarde/noite isso pode significar 6 ou 7 horas de jazz, com três diferentes formações e uma jam session no final. De madrugada, o preço cai e muitas vezes entrei de graça para tomar a saideira no balcão de oito lugares do Smalls.

O jazz é um estilo musical dado a estados de êxtase meditativo. Mas no Smalls o momento de satori (termo budista para iluminação) pode vir no meio de um solo profundo e denso de um saxofone barítono ou em circunstâncias mais banais. Como no caminho para o banheiro. O longo corredor não combina com o resto do lugar e parece saído de um filme do David Lynch. Em noites de casa cheia, reúne a fauna curiosa numa fila. Na última vez em que lá estive, um senhor careca de sobretudo cutucou o meu ombro e disse:

"Você parece cansado. Infinitamente cansado."

"É verdade. Eu estou exausto."

"Mas o cansaço é bom. Viva o cansaço. Abrace o cansaço."

O Smalls tem uma gravadora própria e, no seu site, vende os discos e transmite ao vivo os shows: smallsjazzclub.com. Caso você tenha a sorte de estar em Nova York, vá hoje mesmo para 183 West 10th Street.


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