Folha de S. Paulo


Não vale 'criar' emprego com dinheiro do contribuinte em setores decadentes

Eny Miranda/Vale
Projeto Ferro Carajás, da Vale, no Pará
Projeto Ferro Carajás, da Vale, uma das parceiras na Companhia Siderúrgica do Pecém

A Companhia Siderúrgica do Pecém começou a produzir aço no Ceará. Com um investimento de mais de US$ 5 bilhões, já tem capacidade para produzir 3 milhões de toneladas de placas de aço por ano. Durante a construção, foram 23 mil empregos diretos e indiretos, sendo 17 mil no pico. Na fase de operação, 16 mil empregos diretos e indiretos, segundo a empresa.

A usina é uma parceria entre a Vale e as siderúrgicas sul-coreanas Dongkuk e Posco. Primeira ZPE (Zona de Processamento de Exportações) do país, sua receita de exportação deve ser no mínimo 80% do total. Parece ser tudo de bom: investimento estrangeiro, emprego e estimulo à exportação.

Quanto custaram os empregos? Ao fazer parte de uma ZPE, a empresa recebe isenção de tributos, contribuições e taxas. Quando der lucro, haverá redução de 75% no Imposto de Renda por estar no Nordeste. Estimo que as isenções tenham somado R$ 1,68 bilhão entre 2012 e 2016, sem contar a dispensa do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante.

O BNDES financiou mais de R$ 2 bilhões em condições bem favoráveis. O contrato foi celebrado em abril de 2015, quando já conhecíamos o rombo fiscal. O subsídio implícito no financiamento foi de R$ 643 milhões.

No total, estimo que tenha custado R$ 2,3 bilhões para a União. E o governo do Ceará diferiu o pagamento de ICMS por um bom tempo. Mas essa é uma escolha do Ceará.

Vale a pena? Para a empresa e para o Ceará, deve ter valido. Para o Brasil, é menos claro. Suponhamos, generosamente, que o projeto tenha empregado, direta e indiretamente, 12 mil trabalhadores continuamente durante os quatro anos de construção. Sob essa suposição, cada ano de emprego custou quase R$ 49 mil à União. É caro. O empregado da construção civil em São Gonçalo do Amarante, onde está a usina, ganhou em média R$ 23 mil por ano durante a obra (incluindo benefícios). Por sinal, os melhores empregos foram para os sul-coreanos, que trouxeram seus engenheiros.

Não pode haver um efeito multiplicador? Afinal, a construção da usina "criou" emprego e renda para os trabalhadores, que compraram coisas, gerando mais renda e impostos, e assim por diante. Pode sim, mas somente se a construção da usina de fato criou –sem aspas– empregos. Para ter havido criação de emprego, era preciso que os trabalhadores estivessem desocupados caso não fosse feita a obra.

Durante parte da fase de construção, as taxas de desemprego no Brasil e no Ceará eram baixas. Com emprego alto, a maioria dos 12 mil empregos estaria em outras empreitadas, pagando impostos, contribuições e igualmente gerando renda.

O investimento sairia sem os subsídios? Provavelmente não. Porque não é bom negócio sem subsídio. Siderurgia é um setor cadente. Há capacidade ociosa no mundo. Alhures, a indústria luta para reduzir capacidade. Estimular um setor com essas características não é o melhor uso do dinheiro do contribuinte. E os "bons" empregos industriais da fase de produção? Não vale a pena "criar" esses empregos. Saneamento também gera bons empregos. E muito mais retorno social.

Pode fazer sentido estimular setores inovadores ou de alto impacto social. Ou, se é para estimular a indústria exportadora, que seja alguma que não sofra de capacidade ociosa crônica, no Brasil e no mundo.

Devemos celebrar o investimento estrangeiro e o emprego. Precisamos muito deles. Mas não em siderurgia com tanto dinheiro do contribuinte.


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