Folha de S. Paulo


Realismo grego

Os desdobramentos da crise global seguem gerando consequências políticas, desta vez na Argentina, onde as eleições apontam para o fim do modelo intervencionista dos últimos anos, já que a maioria dos votou por mudança de rumo.

Mas é na Grécia que essas transformações tiveram uma das trajetórias mais dramáticas e esclarecedoras.

Anos de baixa produtividade com a economia engessada por regras complexas e ineficientes e gastos públicos crescentes e insustentáveis levaram o país à beira do colapso econômico. A maior parte da população, porém, rejeitou as reformas necessárias e elegeu o partido radical Syriza, que propunha a manutenção do modelo vigente. Faltou combinar com os que podiam bancar a conta –os outros países da Zona do Euro.

O novo governo logo teve de enfrentar a realidade de negociações duríssimas. As condições exigidas pelos europeus para financiar a Grécia foram consideradas inaceitáveis pelo governo do premiê Alexis Tsipras. Em resposta, ele convocou um referendo sobre a proposta, defendeu sua rejeição e ganhou a votação. Tsipras então voltou a negociar, mas encontrou posição ainda mais dura dos europeus.

Agora começa a parte interessante da história. Ao perceber que a Europa não recuaria, Tsipras aceitou fazer as reformas exigidas, o que gerou enorme insatisfação em seu partido e queda na aprovação do seu governo. Foi quando entrou a coragem política do premiê. Ele renunciou, chamando novas eleições, e fez campanha defendendo o pacote de reformas. Tsipras agora pedia um novo mandato para aplicar as medidas exigidas por Berlim e Bruxelas sob o argumento que aquele era o melhor acordo possível.

Ele foi sincero com os gregos, pois a alternativa seria a saída do euro e uma crise muito maior. Tsipras venceu a nova votação, terceira vitória em nove meses, e recebeu mandato oposto ao do referendo ocorrido pouco tempo antes.

A Grécia agora promove um plano de reforma radical do Estado, abertura da economia e dos mercados, modernização de normas, redução de despesas insustentáveis, tudo colocado claramente na eleição por um líder popular. Tsipras tentou manter uma política insustentável, não conseguiu, reconheceu o fato claramente e recebeu mandato dos eleitores para tomar outra rota.

O grande drama grego nos ensina que a trajetória do processo decisório ou o estilo da liderança podem variar dependendo do momento e da cultura do país, mas o importante é apresentar à população propostas claras e objetivas para resolver os problemas, evitar medidas pontuais tipo colcha de retalhos e adotar um modelo completo e coerente de reformas para crescer de forma sustentável e duradoura.


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